O vínculo que se descobre entre confrades é sempre o da fraternidade, partilha, entrecruzar de vivências que por serem comuns nos aproximam e nos tornam iguais. Pela vivência comum em torno da figura de Eça de Queirós descobriram os membros da Associação Amigos do Solar Condes de Resende um motivo para a constituição de uma confraria. Este seria o motivo, a oportunidade, a razão para um conjunto de admiradores da obra e da pessoa se constituírem como um grupo organizado de estudo, de investigação, de celebração da obra queirosiana. Mais do que um centro de investigação da obra do escritor, a Confraria Queirosiana surge como forma de reunir todos os que o admiram, estudam ou promovem. Assim, o rol de confrades não integra apenas académicos investigadores, mas reúne à mesma mesa todos os que simplesmente admiram a prosa queirosiana.
Notório, de facto, é o trabalho desta confraria, que se estende pela realização de tarefas arqueológicas, antropológicas, históricas, patrimoniais, artísticas e literárias. No Solar Condes de Resende, sede da confraria em Vila Nova de Gaia, o frenesim cultural é um hábito e um ritmo de vida. Na verdade, a cultura marca o calendário da instituição; é uma forma de vida num país onde a importância da investigação se dilui na falta de objetivos e de orçamento. Para além de participarem num alargado conjunto de iniciativas locais ou nacionais relacionadas com a cultura e a história, quer local, quer nacional, também se desdobram em inúmeras atividades onde é bem visível a convicção de que a cultura e a história têm um lugar na vida de todos nós. Desde as escavações arqueológicas a decorrer em vários locais da região norte, a projetos direcionados ao público escolar, a cursos livres de pintura e de história e palestras várias, tudo cabe num amplo plano de atividades.
Trajados de capa rodada de cor preta onde sobressai o monograma queirosiano a vermelho vivo, os confrades mostram com o rico trabalho que desenvolvem que a cultura é um alimento do espírito e que importa na vida humana.
Se a literatura queirosiana cativa o seu público fiel, sempre renovado nas gerações que se seguem, pela autenticidade das personagens, pela forma como aquelas se aproximam do nosso quotidiano, com a Confraria Queirosiana habituamo-nos a descobrir mais o autor do que a obra. De todo, esta confraria não deixa que a obra disperse a humanidade da figura. E aí percebemos as suas preocupações, ainda hoje tão atuais, como a fome, a habitação, o emprego, a corrupção dos serviços públicos e do setor privado, o acolhimento de refugiados, a proteção de migrantes, a educação e a cultura. Para além das obras, é importante descobrir a pessoa que, no decorrer da sua vida tantas preocupações sociais demonstrou. A passagem enquanto cônsul por várias partes do mundo e o trabalho desenvolvido faz com que Eça de Queirós seja um tema literário e humanístico, não só português, mas que atrai admiradores e estudiosos em território internacional. Um dos méritos desta confraria é, precisamente, afirmar o Solar Condes de Resende como Casa Queirosiana Internacional. Para tal, desenvolvem protocolos com instituições estrangeiras que tratam a investigação e a divulgação da figura e obra queirosiana. É este estender de braços que dá substância e que permite, também, universalizar a cultura portuguesa.
Nesta confraria onde paira a gastronomia? Poderemos dizer, antes de mais, à mesa onde todos os confrades, em dia de celebração e em dia de trabalho, partilham o alimento feito suporte de energia do físico e de convivialidade, aliás, esta última tão valorizada por Eça de Queirós. Depois, não passa despercebida a importância do comer e do beber na estruturação das personagens queirosianas, tema muito enfatizado por quem se debruça em análises académicas. Sabemos que as personagens definem-se pelo que comem e bebem e pelo modo como o fazem. No entanto, na opinião de Joaquim Gonçalves Guimarães, Mesário-Mor da Confraria Queirosiana, «a gastronomia e a enofilia queirosiana (…) são sobretudo uma atitude, um saber escolher, saber apreciar, saber degustar, desde os pratos mais simples da nossa modesta refeição com a mesa posta perto do prado, da horta e da adega, até às mais exóticas iguarias tomadas a bordo de um barco de entediados veraneantes que voga dolente pelo Mediterrâneo». Talvez o que atrai seja a forma como Eça descreve a nossa gastronomia. Retrata-a pela sua diversidade, pelo que nos traz à memória, pela forma como define um povo e definiu as personagens das suas obras. A verdade é que o cosmopolitismo e a ruralidade encontram-se nas obras queirosianas com o auxílio das alusões gastronómicas e enófilas. Mudámos assim tanto? Na alimentação, claro. Diz Joaquim Gonçalves Guimarães que se tanto falamos, investigamos, discernimos, analisamos e discutimos a gastronomia queirosiana «é porque sentimos que muito do que é nosso, ainda que impudicamente oitocentista, nos querem tirar.».
A intensidade, a riqueza, a versatilidade da figura e obra queirosianas ostentam muito mais do que a investigação que é produzida, que os textos que são escritos, que as palestras que são proferidas, é o tudo que cada leitor encontra sempre que lê ou relê um dos livros de Eça de Queirós. A Confraria Queirosiana promove essa amplitude literária e humanística, agrega em si todos os que se identificam na admiração de uma figura que representa um tempo que nos inebria e do qual parecemos ter saudade pela ênfase que era dada à cultura, à história e à inovação na chamada modernização das sociedades.
Dada a diversidade e transversalidade da atividade da Confraria Queirosiana, será certo que a sua continuidade irá permitir, decerto, num futuro, ora próximo, ora longínquo, não só perpetuar a importância da obra queirosiana, como também ser um alimento na cultura portuguesa. Um estímulo ao gosto pela história e pela cultura portuguesas. Longa vida por isso à Confraria Queirosiana.
*Presidente das Confrarias Gastronómicas Portuguesas