Em França, há já vários elencos governativos que a inclusão de minorias étnicas é um tema muito sério e com relevância política. O escrutínio é tal que no Governo do socialista Jean-Marc Ayrault, que durou entre 2012 e 2014, o diário francês Libération foi verificar se o que aparentava ser “pela primeira vez, um Governo parecido com a França” o era verdadeiramente. Afinal, visto na sua totalidade – chegando à composição dos gabinetes – , não tinha suficientes mulheres ou cidadãos de diferentes minorias étnicas.
Em Portugal, nem é preciso haver grande escrutínio para se saber que o XXI Governo que hoje tomou posse é o mais inclusivo de sempre. E de vários pontos de vista.
Em relação à deficiência, à cor da pele, à etnia ou ao sexo.
Nas redes sociais, esta questão tem sido objeto de discussão acalorada, com muitos a defender que este é um não-assunto e outros a defender o contrário.
Exemplo deste último caso é o antigo deputado socialista Miguel Vale de Almeida, ativista dos direitos dos homossexuais e com trabalho publicado sobre questões de raça e etnicidade. Na sua página do Facebook escreveu que “não é em alternativa – ou por ser mulher/negr@/cigan@/gay ou lésbica assumid@/whatever, ou por ser competente”. Vale de Almeida pensa que é “em paralelo, por ser competente (condição necessária para o exercício de um cargo)” e por “ser simbólico e eficaz para uma política de igualdade, representando a visibilidade e dignificação de uma categoria discriminada”.
Porque vivemos “num mundo onde o nosso desejo e convicção de indiferença perante as categorias (ou até do fim delas) não deve ser confundido com as condições reais de diferença feita desigualdade”.
Começando pelo sexo, este é o Governo com mais mulheres: 19 no total, entre ministras e secretárias de Estado. No XX elas eram 10, no anterior recordista da inclusão de género – o de Durão Barroso, entre 2002 e 2004 – eram 13.
Aliás, pela primeira vez existe um Ministério apenas composto por mulheres, o da Justiça. A ministra é Francisca Van Dunem e as secretárias de Estado Helena Mesquita Ribeiro e Anabela Pedroso.
Francisca Van Dunem ficará ainda para a História por outra razão, a de ser a primeira mulher negra num elenco governativo em Portugal.
Há cerca de um ano, o SOL fez um trabalho que pretendia responder à pergunta: ‘A cor de Costa é um trunfo ou um handicap?’ Na altura, falou com o deputado do CDS Hélder Amaral, negro, o único até agora no Parlamento, apesar da já relevante comunidade luso-africana do país e dos programas de integração e de promoção dos direitos cívicos junto de imigrantes e minorias étnicas que há décadas Portugal promove.
‘Há determinados lugares a que não posso aspirar
porque o país não está preparado’?
O político destacou que a cor da pele “é um tema tabu”, explicando que “já se fizeram trabalhos com as mulheres deputadas, com os mais jovens, do deputado luso-africano ninguém falou”.
“A vida diz-me que a cor não será uma vantagem, nunca foi”, afirmava, para concluir: “É legítimo pensar que há determinados lugares a que não posso aspirar porque o país ainda não está preparado”.
O mesmo disse o atual secretário de Estado das Autarquias locais, Carlos Miguel, numa entrevista ao Correio da Manhã em 2003. Já passou mais de uma década, mas na altura considerou que “um cigano carrega sempre esta cruz que é a sua etnia”.
O até agora presidente da Câmara de Torres Vedras e que foi conselheiro do Alto Comissariado para as Migrações acrescentava, na mesma entrevista: “Não tenho a menor dúvida de que, aos olhos da lei, um cigano não é tratado da mesma forma que um não cigano. Um cigano é tratado com indiferença e preconceito”.
Também a titular da nova Secretaria de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência dizia ao Público, durante a campanha eleitoral: “Nós, ao contrário de outros países europeus, nunca tivemos pessoas com deficiência a ocupar cargos como deputados ou no Governo”. O que, considerava, “diz muito” sobre o país.
Na altura, Ana Sofia Antunes, que quer ser tratada como cega ou deficiente visual, era candidata a deputada: “Mais do que a minha ida para o Parlamento, é uma abertura de portas para as pessoas com deficiência”.
Não chegou a ser eleita, mas há um deputado do BE, Jorge Falcato Simões, paraplégico. A sua condição física obriga-o a deslocar-se necessariamente em cadeira de rodas. No final de Outubro, a Visão constatou as dificuldades que tem ao movimentar-se pelo Parlamento.
Os testemunhos destes protagonistas, indica que o acesso a cargos de relevo político a cidadãos com deficiência, ou com a sua cor de pele ou etnia, parece ser um momento “simbólico e eficaz para uma política de igualdade”, usando as palavras de Vale de Almeida.
De regresso ao trabalho do SOL publicado em 2014 sobre a ‘costela’ indiana de António Costa – cuja posse foi agora celebrada pelos jornais indianos Hindustan Times e Times of India, mais uma ou outra referência isolada na internet ao facto de este ser o primeiro primeiro-ministro não branco da Europa.
Na altura, Jorge Vala, psicólogo social, defendia ainda haver “muito racismo implícito na sociedade e nas instituições” e que este tipo de discriminação é uma “questão silenciada”. A que Costa poderia escapar se fosse entendido pelo eleitorado como indiano; se este o visse como negro, talvez não. A explicação para a diferença? A maior penetração da comunidade indiana (e principalmente goesa) nas elites portuguesas, desde a altura das colónias.
O hábito não é tudo, mas ajuda muito.
* com Sónia Cerdeira