Prima Donna, concerto visual sinfónico inédito, criado a partir da ópera homónima do canadiano, é apresentado hoje e amanhã na Gulbenkian, em Lisboa. O espetáculo conta com a participação da artista Cindy Sherman e de Joana Carneiro à frente da Orquestra Gulbenkian.
Estreou ‘Prima Donna’ em 2009, em Manchester, mas o que traz ao Grande Auditório da Gulbenkian, em Lisboa, é uma versão do espetáculo. O que vai apresentar exatamente?
O que fiz em 2009 foi uma ópera completa e, desta vez, fiz uma seleção de partes da obra e concebi um concerto sinfónico com uma componente visual muito forte, com a projeção de um filme de Francesco Vezzoli. Vai ser um espetáculo de hora e meia, onde também vou cantar sozinho com a Orquestra Gulbenkian (sob direção de Joana Carneiro). Será um sampling de ópera e de coisas minhas. Quem for amante de ópera vai gostar, e os meus fãs também se sentirão familiarizados. Na realidade, só juntei dois mundos que sempre coabitaram em mim.
Já o vimos em Portugal muitas vezes, mas a adesão a este espetáculo foi imediata, com a primeira data esgotada há muito. É o resultado de ter um público bastante fiel?
Estou muito entusiasmado e comovido com a adesão do público em Lisboa. Sinto essa lealdade, mas também sinto que trabalhei arduamente para isso acontecer. Lembro-me de ir pela primeira vez a Portugal há uns 15 anos, de continuar sempre a ir e de me esforçar para retribuir o afeto. Agora é o amadurecimento da nossa relação (risos). Não sou aquele tipo de compositor que permanece na sua torre e nunca desce para estar com as pessoas. Sou por definição um showman e a minha realização, pessoal e profissional, passa por fazer constantemente coisas diferentes, sem me preocupar se vão falar mais de mim ou se vou vender mais discos. Convenhamos, uma ópera não é, de todo, uma caminhada até ao topo.
Por outro lado tem a liberdade de fazer sempre o que lhe apetece. É um estatuto que qualquer artista deve procurar?
Para mim nunca fez sentido trabalhar de outra forma. Faço o que quero e o que gosto, que tanto pode ser música pop, clássica, ou cantar Judy Garland. Não foi premeditado, mas acho que isso ajudou a minha carreira. Imagino que seja muito satisfatório para uma plateia gostar de um artista que lhe proporciona experiências tão diferentes e que não são necessariamente aquelas de que estavam à espera.
As fórmulas da pop estão a ficar gastas?
Sim, há uma saturação no universo da música pop. As pessoas estão a ficar fartas de verem aplicadas sempre as mesmas ideias, num mundo totalmente comercializado. Às tantas, assistem a um concerto e parece que já viram aquilo dezenas de vezes. A ópera tem essa magia, é outra realidade, acústica e teatral.
Apesar de ter formação clássica, imagino que escrever uma ópera deva ser muito mais difícil do que qualquer coisa que já fez até hoje…
Nada do que é bom é fácil. Há momentos de profunda dor durante um processo criativo, mas quando os superamos acabam sempre por se tornarem revelações. Mas a ópera é a minha religião. Quando me tornei fanático por ópera, aos 13, foi como se tivesse descoberto Deus. Foi como se um espírito tivesse entrado no meu corpo e não tivesse outra escolha a não ser converter-me e ficar disponível às suas ordens. Continuo apaixonadíssimo até hoje e, agora que já fiz uma, é recompensador ver o palco cheio, com tantas pessoas a executar algo que idealizei na minha cabeça, em algumas das salas mais bonitas do mundo. Nunca estive na Gulbenkian, mas já ouvi dizer que o ambiente é extraordinário.
Na estreia, ‘Prima Donna’ teve críticas negativas. Viver da música há 20 anos ajuda a lidar com a crítica?
Primeiro que tudo, críticas negativas e ópera andam sempre de mãos dadas. Os críticos odiaram Carmen, Rigoletto, La Traviata, e por aí fora… Ter más críticas numa ópera é como ter uma medalha que se ganha em batalha. Não significa nada e, que fique claro, também tive boas críticas. Mas sim, nunca é fácil ler alguém a destruir o teu filho. Ainda não consigo ser completamente indiferente às críticas e acho que se não ligasse significaria que não me interessava de todo pela música. Ser artista é sempre uma vulnerabilidade porque pomos o nosso coração no que fazemos e se alguém quiser pegar numa faca e espetá-la bem no centro do teu coração pode fazê-lo. Em relação a Prima Donna, por muito duro que tenha sido, os críticos escreveram coisas que precisava mesmo de ouvir. Mas agora o que interessa é que a obra está ótima, viva e a ser apresentada em Lisboa.
O enredo dramático é inspirado em Maria Callas. É uma diva de eleição?
Para mim, a Maria Callas é muito mais do que uma cantora de ópera, é uma força da natureza. Acho que mesmo para quem não gosta de ópera é impossível não gostar de Callas. Não que goste de tudo o que ela fez, mas quando vejo algumas gravações dela em palco fico de boca aberta. É como ver uma bomba nuclear a explodir ou algo parecido. É fascinante o que ela conseguia fazer com a sua voz. Além disso, todo o contexto que a rodeou – a vida encantadora, ter-se tornado a obsessão dos tabloides – deu-lhe um grande dramatismo e fez dela uma figura pública incrível.
Convidou a fotógrafa e artista plástica Cindy Sherman para lhe dar vida. Porquê uma não atriz?
Conheço-a há muitos anos e é uma grande amiga minha. Acho que a convidei, essencialmente, por causa disso. Admiro imenso a sua personalidade e o coração gentil que tem. Ela própria também é uma espécie de diva e, nesse sentido, foi fantástico trabalhar com ela neste projeto. Estou sempre a ser surpreendido com o quão profunda e furiosa é a sua representação nesta obra. Ela é uma artista incrível e eu sou um seguidor.
É verdade que já está a trabalhar numa segunda ópera?
Sim. Chama-se Hadrian, é sobre o imperador romano Adriano e a sua relação com o escravo Antínoo. É uma encomenda da Canadian Opera Company e estreará em Toronto, em 2018. Mas não se preocupem, também estou a trabalhar em muitas canções pop que deverão ser lançadas antes de 2018.