Tem momentos de epifania?
Não lhes chamaria isso. Mas posso dizer que uma vez vinha no carro do Porto para Lisboa a ouvir o Alice do Tom Waits e ficaram-me umas coisas na cabeça. Cheguei ao estúdio, sentei-me ao piano e fiz o Primeiro Beijo. Naquele principiozinho do Alice podes identificar uma coisa semelhante ao Primeiro Beijo. Depois cada qual vai para seu lado.
E o Porto Sentido, como nasceu?
Foi com a guitarra acústica, lá em casa dos meus pais.
Como faz? Senta-se e diz: “Agora vou compor uma música”?
Olho para a letra. Vejo a métrica, vejo o que é que as palavras me sugerem, o tempo da música. No caso do Porto Sentido tem uma certa espaceza…
Tem noção de quantas vezes teve de cantar essa música ou o Chico Fininho?
Mais de mil, seguramente. Se me puser a pensar que já toquei a mesma música mais de mil vezes é uma coisa um bocado fora do normal, mas depois ia ver o BB King e cantava as mesmas músicas tinha duzentas e tal vezes por ano durante 50 anos. Antigamente fazia-me confusão, hoje em dia já não me faz porque sei que as pessoas gostam. E quando as pessoas gostam é um momento de uma comunhão estranha entre quem está no palco e quem está a assistir. Não é para toda a gente. Por isso sou um privilegiado.
Não é chato o público pedir para cantar sempre as mesmas canções?
A pessoa tem de estar preparada para isso. Se eles pedem é porque querem, eles é que mandam. É como o Sinatra, se ele não cantava o My Way o pessoal protestava: “Pagámos o bilhete para ouvir o My Way e o New York, New York, e não cantas? Estás a brincar comigo”. As canções ficam agarradas à gente. E isso nem é nada mau, é sinal de que a malta adora. Algumas são absolutamente obrigatórias.
Mas se calhar dá-lhe mais gozo fazer uns solos de guitarra…
Já fui mais de fazer solos de guitarra. Mas gosto muito, porque o solo é de improviso, nunca se sabe o que e que vai sair e quem é curioso como eu quer sempre ver se vai fazer bem, se não se engana, se os dedos vão ao sítio. Ser músico é isso.
Os concertos dependem muito do seu estado de espírito?
Dependem. Não é muito normal, mas posso estar mais stressado porque se passou alguma coisa com um filho ou um amigo. Por exemplo, fui tocar quando morreu o Bernardo Sassetti. Estava num estado de espírito absolutamente lastimável, estava desfeito. A morte do Bernardo chocou-me muito mas tive de ir tocar. Mais emocionado, mais com a lágrima no olho, mais com vontade de beber um tinto e esquecer a coisa, mas pronto, tem de ser.