Vanessa gosta da cena de fazer as pazes entre o Natal e o Ano Novo.
– É aquilo da redenção, estás a ver? É Natal, as pessoas devem perdoar.Às vezes chateamo-nos por coisas que não valem nada, certo?
Certo. Às vezes chateamo-nos. Há sempre um valor relativo. Depende. Eu, que não sou boa a fazer as pazes, mantenho as distâncias em relação àquela atividade febril. Fazer as pazes porque é Natal? Nossa Senhora! No meu Minho isso chegou a existir na Páscoa, mas a tradição já tinha acabado quando eu nasci. Perguntei-lhe com quantas pessoas ela tinha decidido fazer as pazes.
– Tenho aqui meia-dúzia a quem gostava de telefonar para dizer que afinal está tudo bem entre nós e que aquelas coisas que eu disse na realidade não as queria dizer.
– Meia-dúzia é muita gente.
– São só seis. Eu vou fazer as pazes com seis. Não é muito. O Cavaco teve que fazer as pazes com 58 pessoas!
– 58?
– Não viste aquilo dos cumprimentos de Natal??? Ele foi obrigado a dar boas festas e a fazer sorrisos a todos os ministros e secretários de Estado!!! E o Costa elogiou-o e tudo!
– Pois, mas isso não é bem fazer as pazes. É uma coisa só política. Ou, como diz o Cavaco, uma “boa tradição da nossa democracia” que ele tem que fazer “independentemente do governo em funções”.
A Vanessa admitiu que na cerimónia de cumprimentos do governo ao Presidente da República, ao dizer que fazia aquilo sempre “independentemente do governo em funções”, o Cavaco deixou escapar que estava ali um bocado a fazer o frete. O que tem que ser tem muita força. Mas é verdade que, como todos, falou no “tempo em que se exaltam os valores da paz, da amizade, da harmonia, da concórdia, da partilha, e da solidariedade”. Entre uma boa guerra e o fingimento de pazes o que é melhor? E qual o papel do cinismo completamente desavergonhado, como Costa a dizer a Cavaco que “é um grato prazer colaborar com Vossa Excelência” e que quando o governo vir Cavaco pelas costas vai ser bom porque “continuaremos certamente, a poder contar com a sua voz avisada, experiente, que mesmo liberto de funções oficiais não deixará de estar atento ao que se passa no país e a contribuir, de outra forma, para o futuro do país e dos portugueses”.
– É este tipo de pazes que tu queres fazer?, perguntei eu à Vanessa.
– Preferia alguma coisa melhor. Uma coisa que parecesse mesmo uma reviravolta súbita. A minha ideia de fazer as pazes é um bocado à Passos Coelho. Esquecer tudo, passar uma esponja sobre o que dissemos há um mês, dar a volta ao texto e aprovar o Orçamento retificativo.
– Sim, isso é mesmo começar de novo.
– É isso que eu quero. Começar de novo à Passos Coelho. Riscar tudo o que disse e fazer um novo texto. Quero que as relações com as pessoas com quem eu estou zangada voltem ao que eram num tempo em que nem sequer eu já me lembro. Negar tudo o que disse. Uma pessoa quando está zangada passa-se um bocado, não é? Foi o que aconteceu com Passos Coelho quando disse que nunca viabilizaria nada que viesse do governo Costa! Quando disse aquela coisa desagradável que se precisasse dos votos do PSD, o que Costa deveria fazer era pedir eleições! Estás a ver, agora é como se isso não tivesse acontecido.
– E os teus amigos estão dispostos a que tu faças de Passos Coelho?, perguntei eu que duvido muito do sucesso de reviravoltas súbitas nestas coisas.
– Vão estar. O Passos invocou o sistema financeiro, eu sei que vou conseguir invocar qualquer coisa da mesma magnitude. Não te preocupes.