Sampaio da Nóvoa: o regresso a Portugal

A partir de 1984, as viagens a Portugal começam a ser mais frequentes. A tese de doutoramento, sobre a história do processo de profissionalização da atividade docente em Portugal nos séculos XVIII a XIX, obriga-o a estadas prolongadas em Lisboa, onde passa a maior parte do tempo – preso aos arquivos a investigar.

Lénia, em Novembro desse ano, faz as malas e vai para o Luxemburgo, para um estágio no Tribunal de Justiça. Entre o vaivém das carreiras do casal, nasce nesse ano o seu único filho: André.

João Evangelista Loureiro, do Instituto Superior de Educação Física, que conhecera António ainda em Aveiro, convida-o para professor assistente da instituição. Este recolhe informações entre os amigos que tem no meio, e para sua assistente convida Catalina Pestana, com passado no MES. Os dois tornam-se cara e coroa da mesma moeda. A ex-provedora da Casa Pia faz-lhe o exame: “A Faculdade resistia a tudo o que era novo, e o Nóvoa tornara-se íntimo das grandes cabeças europeias. A relação com estas figuras faz-se através dele e não por via da estrutura tradicional”.

 Catalina chega a fazer de motorista a Gaston Pineau, investigador em ciências da educação, de quem António Nóvoa é discípulo. A ex-provedora da Casa Pia está também a aprender: “Começou-se a falar de histórias de vida em Portugal por causa do Nóvoa. Isso criou-lhe muitos inimigos. Ele ensina os alunos a abrir janelas e a pularem de uma para a outra sem caírem. Coisas que neste país ninguém fazia”.

 O país está na corrida a Belém, a mais concorrida de sempre. É a segunda vez que os portugueses vão às urnas depois da assinatura do Tratado de adesão à CEE, a 12 de Junho de 1985. Salgado Zenha põe no cabide a amizade com Mário Soares e concorre, com o apoio do PRD e de Ramalho Eanes, contra o fundador do PS. António escolhe entre os que estão fora da alçada partidária: “A minha simpatia primeira foi para a Maria de Lourdes Pintasilgo. Por muitas razões, e isso percebe-se no meu perfil. Na segunda volta, como é evidente, todos nos revimos na candidatura de Mário Soares, que derrotou Freitas do Amaral. Se me pergunta se votei em Eanes, em Soares e em Sampaio, votei. Em algum momento da minha vida votei em qualquer um deles”.

Cuidados com o filho

António fora pai há um ano. Sempre controlara as emoções mas o pequeno André fá-lo aterrar num mundo novo. A criança chegara com o mesmo fastio que o acompanhara na infância. E António entra pela primeira vez no paço da irracionalidade. Dia sim, dia não, o casal apresenta-se com o filho no pediatra. No bolso, Nóvoa leva uns papelinhos onde, para não esquecer nada, anota o questionário a fazer ao médico.

 Um dia o médico perde a paciência: “Não quero ouvir mais perguntas sobre comida. Conheço muitas crianças que morreram de fome porque não tinham comida. Agora, morrer de fome tendo comida? Não me chateiem mais”.

Defende a tese na Suíça, e consegue nota máxima. O trabalho é sobre a profissionalização do ensino desde Pombal a Salazar, passando pela I República. No final da apresentação, o orientador, Daniel Hameline – um francês pouco atreito a afetos – surpreende o júri, composto por Joaquim Ferreira Gomes, da Universidade de Coimbra, e Dominique Julia, da Universidade de Paris, com um recital de piano. Por fim, classificou-a: “Um ponto de viragem na História da Educação escolar”.

Em Portugal, onde regressa em 1986, rapidamente se faz notar no meio académico – onde a intriga, a hostilidade à mudança e a perda de privilégios não se distingue das misérias da classe política: “A aposta que eu faço na carreira académica é fortíssima. Tentei sempre fazer o mais possível, para além do que era possível”.

Em Outubro de 1986, entra para a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, e uma década depois é professor catedrático. Ainda sem sonhar tornar-se candidato a Presidente da República, corre o país de lés-a-lés, trava conhecimento com o Portugal profundo. Carlos Almeida convida-o para integrar o JADE (Jovens Agentes de Desenvolvimento em Regiões de Emigração). António recorda: “Devo ser das pessoas que melhor conhecem este país. Não só porque vivi em muitas partes, mas porque o programa JADE levou-me a ter contacto com dezenas de presidentes de Câmara, organizações locais. Ainda hoje, em campanha, há gente que vem ter comigo e diz: ‘Não se lembra de mim? Sou do JADE’”.