É mais ou menos como se 2015 fosse a nova década de 1970. Depois do aplaudido regresso de “Star Wars”, num novo capítulo que fez lembrar os filmes da primeira trilogia, iniciada em 1977 por George Lucas, Ryan Coogler, um realizador nascido dez anos depois da estreia do primeiro “Rocky”, quer levar-nos de volta a 1976, o ano da criação do mítico pugilista de Filadélfia. “Creed”, o filme em que este jovem realizador californiano nos devolve Sylvester Stallone no papel de Rocky, estreia a 31 de dezembro, antes que chegue 2016 e que este fim de ano deixe de parecer perfeito. Um presente pós-natalício para quem achava que não voltaria a vê-lo, e que não vem sozinho. É que Stallone, que pela primeira vez aparece como Rocky num filme que não tem o seu nome no título e que não foi escrito por si, voltou em força.
A prova é que já foi nomeado para o Globo de Ouro de melhor ator secundário, algo que só tinha acontecido com o primeiro “Rocky”, de 1976. E ainda não são conhecidos os nomeados para os Óscares mas o nome de Stallone já está por todo o lado. A capa da “Entertainment” na semana da estreia do filme nos Estados Unidos da América dá destaque ao “regresso oficial de Rocky ao ringue dos Óscares”. No GoldDerby, site especialista na previsão dos vencedores das estatuetas douradas, o nome do actor aparece no topo das listas. Recordando 1976, um desses dois anos que não nos largam neste final de 2015: a verdade, escreve a “Variety”, é que neste regresso de “Rocky”, Stallone esteve ainda melhor do que nessa primeira vez.
Um “Rocky” aos 69 anos podia ser a oportunidade perfeita para Stallone falhar. E Stallone até hesitou em fazê-lo. “Eu estava totalmente contra… Não estava a ver esta personagem a ser levada para este campo”, confessou ao “Los Angeles Times”. “Mas depois o meu agente disse: ‘Para um tipo que fez de Rocky, estás a ser um bocado medricas’.”
E ainda bem que Stallone nos deu mais um Rocky. “Estaria tentado a dizer que este é o [seu] melhor trabalho no ecrã de sempre”, escreve Kristopher Tapley, co-editor da secção de prémios da mesma revista, que nota a forma como Stallone conseguiu dar uma nova profundidade à personagem pela qual nos fomos apaixonando nos últimos 40 anos, num filme que vale não só por isso mas também pelo papel de Michael B. Jordan, como Adonis Johnson, filho de Apollo Creed. Creed que dá nome ao filme e dispensa apresentações. Quem não se lembrar do pugilista negro que luta contra Balboa no mítico combate do filme de 1976? E “Creed”, agora falando do filme, é uma forma de reeditar esse combate e essa época, agora com Rocky fora do ringue, no papel de Mickey (Burgess Meredith), a treinar o filho que o seu rival (e amigo) Apollo morreu sem chegar a conhecer. Mas o resto está todo lá. A mesma casa, as mesmas ruas, os mesmos ringues, a escadaria, e o mesmo espírito, que, como J.J. Abrams em “Star Wars”, Coogler faz questão de manter em “Creed”, que vemos como quando voltamos à casa de um velho amigo muitos anos depois. Trinta e nove anos depois, para sermos precisos.
“O meu pai era um grande fã de Rocky. E ele estava a ficar velho e ficou doente e eu tive que processar isso e tentei ultrapassá-lo com esta ideia sobre o seu herói”, contou o jovem realizador californiano que ficou conhecido com “Fruitvale Station” (2013), e agora também por ser a pessoa a quem o mundo agradece por ter conseguido convencer Stallone a calçar as luvas mais uma vez, só mais uma (ainda que agora Rocky calce muito pouco as luvas). O resultado foi “Creed”, mais um filme para as lágrimas (houve algum “Rocky” que não tenha sido?), com “as quantidades certas de nostalgia com o passado e sede de futuro”, escreve o site “Screen Crush”.
Resumindo, mais um filme a provar que os franchises de há 40 anos continuam a funcionar em 2015, com todas as adaptações devidas. Este é então um Rocky há muito afastado dos ringues, que regressa para treinar o filho do seu lendário adversário Apollo Creed, que já não consegue segurar as almofadas nos treinos (não admira que Stallone tenha hesitado em aceitar o papel naquela que provavelmente será mesmo a última vez) mas, ainda assim, é Rocky.
Um caderno de espiral vermelho
Fiquemo-nos pelos anos 70 para recuar à pré-história do primeiro “Rocky”, que Stallone escreveu à mão num caderno de espiral vermelho (que, a propósito, foi agora levado a leilão, com a base de licitação de 250 mil dólares) e que viria a ser um dos maiores franchises da história de Hollywood – em 40 anos, gerou perto de 4 mil milhões de dólares. Uma indústria pela qual, apesar disso, a estrela de “Rocky” e de “Rambo”, série que não lhe valeu os louros que conseguiu com a primeira, diz não morrer de amores, conforme admitiu em entrevista à “GQ” em 2010. Na mesma entrevista contou também que, depois de ter criado “Rocky” teve que lutar para que Hollywood não lhe tirasse o papel principal. 39 anos depois, Stallone volta, no papel de ator, à luta pelos prémios.
Quando em 1977, “Rocky” bateu “Taxi Driver” na corrida ao Óscar de melhor fotografia, e arrecadou ainda as estatuetas para melhor edição e melhor realizador (ainda John G. Avildsen, pois Stallone apenas passou a realizador dos seus próprios filmes a partir de “Rocky II”, em 1979), Sylvester Stallone, criador, argumentista e ator principal no filme, foi para casa de mãos a abanar.
Depois foram 39 anos e cinco filmes até Ryan Coogler decidir ressuscitar Rocky e Stallone o ter reinventado num trabalho que lhe pode voltar a dar a possibilidade de recuperar a estatueta que então perdeu para Peter Finch (melhor ator principal na interpretação de Howard Beale em “Escândalo na TV”). E lhe pode trazer o reconhecimento que a indústria sempre lhe recusou.
Se em janeiro voltar a ser nomeado para os prémios maiores do cinema, entrará para um grupo muito restrito de atores com duas nomeações para os Óscares pela interpretação da mesma personagem, em que até agora figuram apenas cinco nomes: Al Pacino (com Michael Corleone), Bing Crosby (padre Chuck O’Malley), Paul Newman (Eddie Felson), Peter O’Toole (rei Henrique II de Inglaterra) e Cate Blanchett (rainha Isabel).
Dá mesmo vontade de citar Rocky sobre como se constrói uma vitória (em “Rocky Balboa”, de 2006, o último “Rocky” que Stallone realizou, escreveu e interpretou como personagem principal): “It ain’t about how hard you hit: it’s about how hard you can get hit and keep moving forward. It’s how much you can take and keep moving forward. That’s how winning is done.”