Ribeiro e Castro: ‘O CDS transformou-se numa procissão’

A saída de Portas pode beneficiar o PSD, considera o ex-líder do CDS. Elogia a capacidade de António Costa e diz que uma política de ‘terra queimada’ do próximo líder centrista será fatal.

Acha que Paulo Portas sai por ter perdido o poder? Está a fugir?

Não usaria o verbo fugir, mas manifestamente não está à altura da responsabilidade. O debate político será atravessado por pelas heranças do governo anterior, é importante que quem liderou a representação do partido no governo esteja na primeira linha, não deixando que sejam passadas ideias erradas e assumindo essas escolhas. Tivemos o caso Banif, o folhetim do Novo Banco, a não devolução da sobretaxa e outras histórias virão.

Tem a sensação de déjà vu?

Isto é um remake de 2005, quando após uma derrota, e contra a opinião de toda a gente, Paulo Portas decidiu ir-se embora. Desta vez, e ainda que se insista no disparate de que as eleições foram ganhas – se tivesse ganho as eleições não se tinha perdido o governo – Portas também se vai embora, diante do primeiro governo de todas as esquerdas. Há dez anos eu tive, como presidente do CDS, que enfrentar dossiês difíceis – o caso Portucale que conduziu a investigações complicadas e aquela invenção do défice de 6,93%, construído por Vítor Constâncio.

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A saída de Portas ajuda António Costa?

Sim. Afinal a geringonça da esquerda não é tão geringonça quanto isso. E Portas agora montou uma geringonça parlamentar em que seis deputados vão à prova, numa espécie de carrossel  [de debates quinzenais].

Passos Coelho fica mais fragilizado na oposição?

Pode ocupar todo o terreno agora. Passos Coelho revelou uma grande resiliência e, indo-se embora o número dois, ficará como o único intérprete legítimo do capital de combate da coligação. É cedo para  perceber como é que ficará a intervenção parlamentar do CDS em confronto com um PSD que se mantém forte, estável, e com uma liderança clara, de Passos Coelho.

O próximo líder do CDS tem uma tarefa ingrata?

Quem vier recebe uma situação muito difícil. O partido funciona muito mal, foi transformado numa procissão. As decisões são tomadas fora dos órgãos, estes limitam-se a ratifica-los – é uma ‘consumadocracia’. É evidente que o CDS tem pessoas de muita qualidade, mas não há construção coletiva do pensamento, as reuniões transformam-se frequentemente numa zaragata, em que as ideias são boas ou más consoante o seu portador. Há sectarismo.

Tem dúvidas que este seja o ponto final do PP/Partido de Portas?

Tenho. Paulo Portas terá a tentação de continuar a intervir. Dificilmente resistirá a influenciar a próxima escolha e depois a influenciar o seu comportamento.

O senhor vai candidatar-se de novo a líder?

Não tenho isso previsto.

Que intervenção vai ter?

A que estou a ter. Não renunciei à atividade partidária, estou empenhado noutras tarefas cívicas, presido à Associação Por Uma Democracia de Qualidade. Estamos muito preocupados com a decadência do funcionamento dos partidos.

Vai ao congresso?

É possível. Eu achava importante refletir sobre o fecho do ciclo da PàF e projetar o futuro do CDS e até planeava, antes desta crise, apresentar uma moção. Mas misturar isso com um combate pela liderança é muito perigoso e provavelmente não o farei.

Ainda acaba candidato a líder…

Estou focado na minha vida profissional e nas ações cívicas. Uma terminará em breve, tudo indica – o movimento pela restauração do feriado do 1.º de dezembro. Mas há outras e vou continuar também a defender a reforma do sistema eleitoral.

Há alguma possibilidade de o CDS eleger um líder que não saia do grupo dos mais próximos de Portas?

Já aconteceu e há pessoas que seriam recebidas pelo partido com recetividade, independente do sucesso das candidaturas – são os casos de Lobo Xavier e Pires de Lima. Tenho é dúvidas que o façam, vejo que o debate já está condicionado.

O CDS deve voltar a ser o partido dos contribuintes, dos pensionistas e da lavoura?

Paulo Portas é que introduziu muito essa lógica – a de um partido de nichos de oportunidade – e creio que o CDS não cresceu por causa disso, mas por transmitir uma visão para o país. O CDS foi-se descaracterizando e isso presta-se à caricatura e ao desgaste eleitoral.

António Costa conseguirá garantir os apoios necessários em 2016?

Ele já revelou uma capacidade política extraordinária, conseguindo, de pouco, fazer muito. Não estou de acordo com este governo mas também há coisas positivas, como o fim do cordão sanitário à esqequrda. A democracia não pode fingir que há uma parte que não existe.

A acompanha a ideia de que António Costa usurpou o poder?

Não. Acho que isso foi uma fúria repentina, criada por uma interpretação distorcida das regras e da prática constitucionais. Acho que a realidade foi treslida e que aquele discurso festivo, deslocado, da noite eleitoral, depois contribuiu para isso. Exibiu-se uma taça que não existia, quando havia que fazer um acordo. Eu penso que António Costa já tinha no seu espírito o acordo à esquerda mas os erros da coligação, e também de Cavaco Silva, precipitaram e favoreceram esse caminho.

Quanto ao futuro?

Quanto ao futuro, aquela jura de que não ia haver votações favoráveis a propostas do Governo não é para levar a sério. Graças a Deus, há partidos que mantêm um sentido de avaliação das responsabilidades nacionais. A votação do PSD no Banif é uma manifestação disso. O que o CDS fez é deplorável – um partido que esteve a gerir aquele caso só pode votar contra apresentando uma proposta muito alternativa e assumindo as suas responsabilidades. Se o CDS vai voltar à fase pré-PEC 4 acho que entrará em decadência, vai mostrar que não conta.

O OE será viabilizado à direita?

O futuro vai depender muito do próximo OE e creio que vai ser viabilizado com o apoio do PCP e do BE. As questões mais controversas serão deixadas para decisões avulsas.