Abstenção pode forçar 2ª volta nas presidenciais

As últimas sondagens colocam Marcelo Rebelo de Sousa com intenções de voto entre os 50% e 55%, num caso com tendência de subida, noutro caso com uma evolução descendente. E essa oscilação de mais ou menos 5% pode decidir a vitória à primeira volta do candidato do centro-direita ou forçar uma segunda volta nas presidenciais…

A abstenção deverá ser o fator eleitoral determinante, que pode comprometer o ex-presidente do PSD e ex-comentador televisivo. «Quanto maior for a abstenção mais problemas tem Marcelo. Quando um candidato tem, como ele, uns estratosféricos 35% a 40% de avanço para o segundo classificado, o adversário é a abstenção», nota o especialista em sondagens Rui Oliveira e Costa.

O histórico das presidenciais (ver gráfico) indica que as eleições para o primeiro mandato (em anos terminados em 6) registam níveis de abstenção entre os 30% e os 40%. E que nos sufrágios para o segundo mandato (nos anos terminados em 1), os abstencionistas ultrapassam os 50% e os 5 milhões de eleitores. A reeleição de Eanes, em 1980, foi uma exceção notável: o ato eleitoral polarizou o país e apenas 15,6 dos portugueses ficaram em casa.

É de crer, porém, que nas eleições de 24 de Janeiro, que põem fim a 10 anos de Cavaco Silva em Belém, o limiar de abstenção se aproxime dos 50% e, pela primeira vez, ultrapasse a fasquia dos 40% em presidenciais de ‘mudança de ciclo’. A abstenção disparou nos últimos anos e, além do mais, registam-se semelhanças com um ato eleitoral de ‘metade do ciclo’: Marcelo, o superfavorito em todas as sondagens e único a concorrer na sua área política, aparece como candidato da continuidade do centro-direita.

Marcelo tem-se esforçado por despolitizar a sua mensagem, descolando da direita, e irritando a máquina partidária do PSD. Luís Marques Mendes defende-o desses ataques. «Há pessoas que não percebem o fenómeno Marcelo, que é um candidato completamente diferente do habitual. Não é visto pelo eleitorado como um candidato político, ideológico», argumenta o ex-líder do PSD. «Ele está no seu registo – simpático, bem disposto e afetuoso – e não deve mudar nada na segunda semana de campanha. As sondagens mostram que não perdeu votos com a sua atitude e julgo que vai ter votantes de todos os quadrantes», diz ainda este apoiante de Marcelo.

Esta semana, Passos Coelho, em entrevista à Renascença, contrariou a irritação do PSD, afastando-se de ressentimentos pela campanha nada alaranjadada do candidato. Mas há quem tema que o distanciamento de Marcelo para captar mais eleitorado ao centro e na esquerda ‘destape’ o eleitorado da direita. E o risco parece real.

Marcelo precisará de 2,5 milhões de votos para vencer à primeira volta. Mas, se um voto a mais dos 50% o poupa a um segundo embate três semanas depois, bastam cerca de 150 mil descontentes de centro-direita absterem-se para cair de 52% de votos para 49%.

A inutilidade da segunda volta e do voto em branco

Na campanha de Marcelo, há quem use o pragmatismo para ‘calar descontentes’ à direita. Carlos Carreiras fala da inutilidade de uma segunda volta. «Várias sondagens, publicadas e internas, mostram que Marcelo terá mais votos à segunda volta. A grande questão que se vai pôr ao eleitorado é esta: querem já resolver o problema ou querem prolongar a campanha», diz este vice-presidente do PSD. Como Mendes, também Carreiras acha que «é mais o aparelho partidário que se incomoda com a campanha de Marcelo, não é o eleitorado».

A compensar uma eventual subida da abstenção, joga porém a favor de Marcelo o facto de as eleições presidenciais serem as únicas em que os votos brancos e nulos não são contabilizados, pois apenas contam os votos expressos. Sabendo-se que brancos e nulos somam em média 4% do total, isso significa que esse acréscimo de percentagem será dividido por todos os candidatos, cabendo sensivelmente metade – 2% – ao único concorrente da direita, Marcelo. E esses 2% a mais na sua votação podem ter o efeito de o colocar acima dos 50% e de lhe assegurar a vitória à primeira volta.

A tese de que um Marcelo sem cor política não afasta o eleitorado da direita está longe de ser consensual. Luís Bernardo, ex-assessor de imprensa de José Sócrates em São Bento, aposta que «a última semana de Marcelo servirá para mobilizar o aparelho do PSD e do CDS». Isto porque «sem partidos não há comícios» e Marcelo vai fechar a campanha com três comícios (Lisboa, Porto e Braga).