O anúncio, logo seguido no mesmo dia (quinta-feira) pela confirmação por Assunção Cristas de que se apresentará como candidata a líder dos centristas no Congresso de 12 e 13 de março, desfez um tabu alimentado nas últimas três semanas: quem iria suceder Paulo Portas? Nuno Melo, com mais apoios internos? Assunção Cristas, mais popular? Cristas e Melo juntos?
O eurodeputado e a ex-ministra da Agricultura conversaram várias vezes nos últimos dias para acertarem posições e intenções, inclusive no dia em que anunciaram as suas decisões. Nesses encontros, Cristas nunca colocou a hipótese de não ser candidata, apurou o SOL.
Cristas recusou desistir
Foi precisamente esta intenção irrevogável que levou Melo a sair da linha de partida. Não que o eurodeputado só estivesse disponível para entrar na corrida com a desistência da ex-ministra. Mas a inflexibilidade de Cristas ameaçava tornar-se uma rivalidade incómoda para uma liderança de Melo. E o eurodeputado tinha, ainda, demasiados nós para desatar antes de responder aos incentivos e apelos de muitos militantes centristas para que se candidatasse, ao mesmo tempo em que Cristas lhe jurava a pés juntos que estava em condições de inaugurar o ciclo pós-Portas.
O risco de divisão do CDS
O primeiro nó tinha que ver com a divisão que o avanço dos dois nomes mais fortes – excluído Pedro Mota Soares – poderia provocar no partido. «Tenho noção de que, não me candidatando, desiludia muita gente. Não tenho dúvidas disso. Se esse for o custo que tiver de pagar para garantir que o CDS não se balcanizará, não se radicalizará em conflitos, seja. Se eu puder ser, como quero, fator de unidade e coesão para dar mais força ao CDS nos desafios futuros, assim será», sustentou. Apesar de fontes centristas garantirem que se Melo decidisse avançar, derrotava claramente Cristas.
Na sua declaração de não candidatura, na sede do CDS, no Lardo do Caldas, Melo sublinhou que, não obstante a «vontade», um candidato a líder de um partido tem de ter a «capacidade para ler as circunstâncias». E este é provavelmente o maior nó de Nuno Melo, que contava com o apoio das maiores distritais do CDS, como Braga ou Porto. Fontes próximas do eurodeputado lembram a posição «particularmente crítica» do dirigente centrista em relação à ‘solução Costa’ para derrubar a coligação PSD/CDS, vencedora das eleições, e formar Governo com o apoio do BE e PCP.
Entrada ‘artificial’ na AR?
Melo, que defende a necessidade de o próximo líder do CDS estar no Parlamento para os embates políticos com o primeiro-ministro socialista, e que cumpre mandato no Parlamento Europeu até 2019, só o poderia fazer se forçasse desistênciaas dos eleitos do CDS na lista de Braga. Mas, nesse caso, «seria sempre visto como alguém que recorreu a uma solução artificial para se sentar em S. Bento e a oposição podia usar isso como arma de arremesso», nota um dirigente centrista. Mesmo que Vânia Dias da Silva, apurou o SOL, e os candidatos não eleitos à frente de Nuno Melo na lista da coligação Portugal à Frente por Braga tenham sinalizado disponibilidade para renunciar em prol da entrada do eurodeputado. Melo optou por permanecer no Parlamento Europeu: «Candidatei-me para um mandato que irei cumprir. Não posso exigir de mim menos do que em tempos pedi aos outros», esclareceu esta quinta-feira, num discurso bem recebido pelos seus apoiantes.
«Ficou evidente que a prioridade é o CDS e o futuro do partido. Não obstante as circunstâncias, ele mostrou que estava disposto a avançar para não deixar o partido órfão de liderança», sintetiza um dos entusiastas de primeira hora com a ideia de Melo suceder Portas.
«CDS não será partido de uma mulher só», diz CristasCom Nuno Melo fora da corrida, Assunção Cristas ficou com via aberta para preparar o próximo ciclo do CDS, agora que Paulo Portas está de saída, depois de 16 anos à frente dos centristas.
E tem garantido o apoio de Nuno Melo: «Sendo mulher, marcará uma diferença em relação à liderança de Portas, que eu nunca conseguiria. O CDS precisa dessa diferença», atestou.
Na próxima segunda-feira, apurou o SOL, Cristas vai dar a sua primeira entrevista televisiva como candidata, na SIC. Na quarta, reúne pela primeira vez um grupo de trabalho que ainda não está totalmente fechado para preparar a volta a Portugal que espera dar antes de se apresentar a Congresso. O périplo pelas distritais do CDS, uma por uma, servirá, além do apelo ao voto, para recolher contributos para a moção que vai apresentar ao Congresso e que deverá ser entregue até 28 de fevereiro.
Cristas tem um projeto ambicioso para oCDS, agora que «a lógica do voto útil deixou de fazer sentido». Nesse quadro, a ex-ministra quer fazer do partido uma «parte cada vez mais robusta de uma alternativa à governação apoiada nas esquerdas radicais», afirmou, ao confirmar uma decisão que estava tomada «há muito tempo» e que foi primeiro anunciada no Facebook e só depois no Largo do Caldas, ao lado do marido, de centristas como João Rebelo, Manuel Castelo Branco, José Lino Ramos, Manuel Isaac, e do crítico literário Pedro Mexia.
Sobre o apoio de Nuno Melo à sua candidatura, a ex-ministra e candidata à sucessão de Portas garante que o CDS «precisa de todos os que já cá estão e de todos os que em conjunto pudermos trazer. O CDS nunca foi o partido de um homem só e não será, garantidamente, o partido de uma única mulher».
Sondagem (quase) tira fôlego a Melo
Na entrevista que deu à RTP antes de desfazer o tabu, na quarta-feira, Nuno Melo referiu-se à sondagem da Aximage para o Correio da Manhã e Jornal de Negócios, sobre as preferências dos portugueses quanto aos nomes apontados como potenciais candidatos à sucessão de Paulo Portas. E admitiu que, face aos resultados do estudo, Cristas estaria em condições de manter o estado de graça na comunicação social por muito mais tempo.
A sondagem foi conhecida no dia 8, enquanto decorriam as conversações entre Cristas e Melo. E foi demolidora para o eurodeputado: 41,8% dos inquiridos disseram preferir a ex-ministra da Agricultura a liderar o CDS e apenas 31,5% indicaram Nuno Melo. Mesmo entre os eleitores do CDS, Cristas levou vantagem:51,3% disseram preferir a agora candidata assumida a líder do partido e apenas 27,5% ‘votaram’ em Melo.
Só entre os eleitores do PSD o eurodeputado conseguiu uma ligeira vantagem sobre Cristas: 43,4% contra 41,1%. Até entre os eleitores da CDU, a ex-ministra reuniu mais preferências (46,1% contra 24,7%).