O procurador Rui Cardoso, antigo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, é um dos que contestaram a reversão na Direção-Geral da Administração da Justiça. Na exposição a que o SOL teve acesso, o magistrado recorda que a redução dos vencimentos na Função Pública foi determinada pela Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro. Por imposição do Tribunal Constitucional, esta lei determinava que a redução remuneratória vigorasse em 2014, a partir da data da entrada em vigor da lei, e no ano seguinte – ou seja, de 13 de setembro de 2014 a 31 de dezembro de 2015.
Como o diploma que elimina progressivamente os cortes em 2016 se baseia na legislação anterior, o procurador entende que o Governo “pretende eliminar o que já não existe”, tendo sido aprovada “uma lei vazia de conteúdo”.
O magistrado argumenta ainda que a inexistência do Orçamento do Estado para 2016 e a prorrogação da vigência do Orçamento do Estado de 2015 não impedem o pagamento dos vencimentos na íntegra, já que as despesas com pessoal foram excetuadas da aplicação de duodécimos no início do ano.
“Dúvida não pode haver: a redução remuneratória determinada pela Lei n.º 75/2014 cessou no dia 31 de dezembro de 2015. Não há qualquer lei que determine qualquer tipo de redução remuneratória para 2016”, escreve o magistrado.
Sindicato pronuncia-se a 21
A missiva termina com um pedido ao diretor geral da Administração da Justiça: “Pelo exposto, requeiro a Vossa Excelência que doravante os meus vencimentos me sejam pagos na sua integralidade”.
O SOL sabe que outros magistrados fizeram um pedido idêntico. O sindicato aguarda o pagamento de salários no dia 21, para tomar uma posição formal sobre a questão.
As pretensões dos magistrados são passiveis de processos em tribunais administrativos, mas o Governo pode ainda corrigir esta e outras questões na lei do Orçamento do Estado para 2016, cuja versão preliminar será entregue esta semana em Bruxelas.
Os sindicatos têm alertado para várias incógnitas nos salários deste ano, devido à forma de redução de vencimentos. A cada trimestre, as reduções nos vencimentos acima de 1500 euros brutos serão revertidas de forma gradual. Mas, como os funcionários só terão os vencimentos na totalidade nos últimos três meses do ano, há dúvidas sobre o subsídio de férias, que será pago em junho. Nesse mês ainda estarão em vigor parte dos cortes salariais e os trabalhadores temem que o 13.º mês não seja pago na totalidade. O subsídio de Natal também gera incerteza. É pago em 12 meses mas está por definir se é pago por completo ou se é mantido o corte ainda em vigor em cada mês.
Estas matérias terão de ser definidas em breve, com o ultimar dos trabalhos para o Orçamento do Estado para 2016. O ministro Mário Centeno já alertou para o “contexto ainda fortemente restritivo em termos de disponibilidades orçamentais”, a propósito do regresso das 35 horas de trabalho à função pública.
Os sindicatos querem a reposição imediata do horário pré-troika, mas Centeno avisou a medida tem de ter um “custo nulo” nas despesas do Estado.
Dificuldades em Bruxelas
O Governo poderia obter uma flexibilidade orçamental acrescida se saísse em 2015 do Procedimento por Défices Excessivos (PDE), mas a injeção de capitais públicos no Banif está a tornar difícil atingir essa meta.
“Infelizmente, a situação que se pôs com a necessidade de intervenção no Banif coloca dificuldades na saída do procedimento por défices excessivos”, disse Mário Centeno no Eurogrupo da semana passada, onde teve uma reunião sobre o tema com o comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Fiscalidade e União Aduaneira, Pierre Moscovici.
A injeção de 2,2 mil milhões de euros no Banif, no final do ano passado, deve levar o défice um valor acima de 4%. Contudo, António Costa e o próprio ministro queriam que a operação fosse contabilizada como uma despesa extraordinária, sem contar para o défice excessivo.
A decisão sobre a saída só será tomada depois de março, quando o Instituto Nacional de Estatística revelar as contas finais de 2015 e o Conselho Europeu se pronunciar sobre o tema. Se Portugal não sair do procedimento, Portugal perde a flexibilidade extra para despesas com investimentos e reformas estruturais que Bruxelas dá aos países que não estão sob PDE.