De Seia a Moçambique
Nasceu a 15 de fevereiro de 1926 na freguesia de Cabeça, concelho de Seia, e passou a infância naquela zona. A mãe, Guiomar Almeida Santos, professora primária, era natural de Loriga e o pai de Vide, no mesmo concelho e terra onde Almeida Santos completou a instrução primária.
Em 1938, com apenas 12 anos, rumou à cidade dos estudantes onde tirou o curso dos Liceus no D. João III, que terminou em 1950. Com 18 anos, ingressou em Direito na Universidade de Coimbra. E daí levou algo que o iria acompanhar para sempre: o fado e o ativismo político contra a ditadura. Em 19549, chegou a integrar a comissão distrital da candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República, que se opunha a Óscar Carmona, candidato oficial do regime. Além de Direito, tirou um curso Complementar de Ciências Jurídicas (que terminou em 1952) e cumpriu o serviço militar antes de se casar com Maria Margarida Moreno Areias de Almeida Santos, com quem foi viver para Moçambique, em 1953. O casal teve cinco filhos e viveu na antiga província mais de 20 anos. Lá, foi advogado de presos políticos e duas vezes candidato pela Oposição Democrática. Fazia parte de um grupo chamado “Os Democratas de Moçambique”.
Os quase 12 mil quilómetros que separam Lisboa da então Lourenço Marques (Maputo) não lhe abafaram o ativismo contra o regime salazarista. Lutou contra o Estado Novo sempre como cidadão independente, representando Humberto Delgado naquele país nas eleições de 1958. Diria mais tarde que o regime só durou tanto tempo porque “houve uma certa contemporização da sociedade”.
Era advogado de sucesso em Moçambique à data de fundação do PS, em 1973. A sua história com o partido, do qual será para muitos considerado o eterno presidente, só começou em 1976.
O antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, recordou na terça-feira a passagem de Almeida Santos pelo seu país: “Nos últimos anos do colonialismo destas terras, escolheu ser português”.
O grande legislador
Foi o então Presidente da República António de Spínola quem o convidou a voltar a Portugal. Foi então ministro da coordenação Interterritorial (cargo que ficou conhecido como ‘Ministro das Colónias’) nos quatro primeiros Governos Provisórios (demitiu-se no IV) e uma das figuras centrais da descolonização. No VI Governo Provisório, foi ainda ministro da Comunicação Social.
Aderiu ao PS em 1 de outubro de 1976, no II Congresso, no Pavilhão dos Desportos de Lisboa. À data, Almeida Santos já era ministro da Justiça do I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, de quem se tornou grande amigo.
O seu trabalho nas negociações do processo de descolonização, em que redigiu os acordos da independência, valeu-lhe muitas críticas – sobretudo pela forma como os portugueses foram obrigados a fugir e a regressar ao país. O político respondeu: “A culpa é mais coletiva do que pensamos. Tiveram culpa aqueles que bateram palmas antes do 25 de Abril, mas também todos os que gritaram ‘nem mais um soldado para as colónias’ e todos aqueles que cederam à tentação da indisciplina”.
Na política, foi quase tudo menos primeiro-ministro, o cargo que, admitiu, mais gostaria de ter desempenhado. Pelo contrário, acabou por protagonizar a mais dura derrota sofrida pelo PS em eleições, quando aceitou tomar o lugar de Mário Soares (que saíra para se candidatar à Presidência), em 1985 – eleições ganhas pelo PSD de Cavaco Silva e marcadas pela ascensão do PRD, de Ramalho Eanes, que penalizou o PS.
Entre 1992 a 2011, foi presidente do PS e presidente honorário desde então. Em 1995, com António Guterres, foi eleito presidente da Assembleia da República (cargo que desempenhou até 2002).
Ficou conhecido como uma mente brilhante: vários juristas elogiam-lhe a clareza da escrita, em leis feitas com “princípio, meio e fim”. Almeida Santos sabia-o e verbalizou-o em 2014: “Fiz dezenas de leis no próprio Conselho de Ministros. Posso ter a vaidade de ter sido eu um dos principais artífices. Dificilmente terá havido um legislador que tenha feito tantas leis e tão rapidamente”. As revisões da Constituição de 1982 e de 1988-89 têm a sua “impressão digital”, como disse Ferro Rodrigues.
Após uma tragédia pessoal – o suicídio da filha com problemas de toxicodependência – foi um dos primeiros políticos em Portugal a defender a despenalização do consumo de drogas.
Escreveu 26 livros. Foi condecorado, elogiado e acusado de usar a política para fazer negócios (a sua última polémica foi com Marinho Pinto, a quem desafiou a apontar os negócios menos claros, mas sem resposta). Maçon (do Grande Oriente Lusitano) e conselheiro de quem o conhecia, era descrito por todos como “um gentleman”.
Morreu repentinamente na segunda-feira em Oeiras, na casa onde residia há mais de 35 anos. Faria 90 anos daqui a menos de um mês. O seu último ato político foi apoiar publicamente a candidatura de Maria de Belém, no domingo passado.
Não quis missa a embalar a morte: foi o fado de Coimbra – e palmas, muitas palmas -, que o acompanharam na curta cerimónia fúnebre, realizada na quarta-feira.