A queda da poupança

Na zona euro no terceiro trimestre de 2015 a poupança das famílias estava, em média, nos 13% do seu rendimento disponível. Esta era a taxa de poupança em Portugal há vinte anos. Agora mal chega aos 4%.

Não é só a poupança que cai em Portugal desde que a economia recomeçou a crescer, embora pouco. Muitas famílias regressaram ao endividamento para consumirem mais. No terceiro trimestre de 2015 o rendimento das famílias desceu ligeiramente face ao terceiro trimestre de 2014, mas o consumo aumentou 0,8%. Assim, de Janeiro a Novembro de 2015 o crédito bancário ao consumo subiu 22% em relação a igual período de 2014. E o crédito à habitação disparou nada menos de 74%.

As famílias aproveitam o nível baixo das taxas de juro para pedirem empréstimos. No crédito à habitação a queda da taxa Euribor tem aliviado muita gente e evitado algumas falências pessoais. Mas os juros baixos trazem, também, desvantagens.

A primeira é que as taxas de juro nos depósitos bancários, mesmo a prazo de um ano, são negativas (descontando a subida dos preços). Desincentivam a poupança, o mesmo acontecendo com os certificados de aforro e os certificados do Tesouro, que pagam taxas modestas.

Não é um problema português: os depósitos na Suíça pagam agora juros negativos. E o BCE ainda não conseguiu que a inflação na zona euro se aproximasse da meta dos 2%; continua bem mais baixa (só em parte por causa da queda do preço do petróleo), apesar das medidas não convencionais que Draghi tem tomado para combater o risco de deflação.

A este desincentivo à poupança das famílias junta-se a política contrária à austeridade do governo de A. Costa. Esta política pretende estimular o nosso crescimento económico pondo mais dinheiro nos bolsos das pessoas, para que consumam mais.

E o que conta, mais até do que os números acima referidos, é o ambiente psicológico que a nova situação política criou. Já ninguém fala em crise – parece ter desaparecido. Só que não desapareceu e mais tarde ou mais cedo irá sentir-se em força. E não apenas porque a conjuntura económica mundial evoluiu de forma mais negativa do que se esperava.

Com o consumo a crescer, aumentam as importações, de carros, por exemplo. As contas externas do país arriscam-se a voltar ao desequilíbrio, exigindo mais crédito externo para cobrir a diferença. Ora o clima nos mercados financeiros quanto ao nosso país está a deteriorar-se, por causa de recentes decisões de reverter privatizações e de recapitalizar o Novo Banco, prejudicando a dívida sénior detida por importantes investidores estrangeiros. E pode piorar se o Orçamento de M. Centeno não for credível.

A par disso, caso a Reserva Federal americana prossiga a sua política, iniciada em Dezembro, de subir gradualmente ao longo do ano a sua taxa de juro de referência, o Estado português, os bancos e as grandes empresas podem enfrentar juros proibitivos no seu financiamento externo, obrigando a um segundo resgate. Aliás, esses juros começaram a subir.

Nada disto é novo: já passámos por situações semelhantes – há cinco anos foi preciso recorrer ao programa de assistência da “troika”. Desgraçadamente, parece haver quem nada tenha aprendido com as asneiras do passado recente. E, de boa ou má fé, iluda os portugueses com cenários de fantasia, gerando expectativas que não são concretizáveis.