Se Cavaco tentasse fazer uma campanha como a de Marcelo, seria certo que nas farmácias desceria a venda de comprimidos para as insónias, adormeceríamos de tédio.
Não menosprezemos o fazedor de factos políticos. A maneira como entrou na Faculdade de Direito na celebração da sua vitória, a forma como passou a olhar, o tom da voz e a gravidade da postura, as pausas que fez e o que disse, anunciaram uma nova persona a que o país se terá de adaptar.
Existe o perigo (não exclusivo de Marcelo) de achar que tudo na sua vida o encaminhou para este momento; vários dos amigos de juventude foram confessando das suas convicções de que um momento assim lhe acabaria por chegar, como uma profecia. Pode nisso acreditar, transformar-se num providencialista.
Um homem como Marcelo não consegue deixar nada ao acaso, um defeito quando levado ao excesso.
Sabemos nós, e sabe Marcelo, que os acasos são o motor mais potente da História, mas isso não o inibirá de desenhar a régua e esquadro a estratégia que pretende para alcançar o legado com que sonha. A questão central é a de saber que objetivos desejará cumprir e que legado pretenderá deixar.
Marcelo precisará de um desígnio e de fazer regressar Belém, como fez Mário Soares, ao centro político.
Nesse sentido, uma das prioridades será a de criar condições para a mudança de poder no partido que ajudou a fundar. Com Passos Coelho na liderança da oposição, Marcelo será sempre o primeiro apoio de António Costa – que, refém do BE e do PCP, aproveitará a ancoragem do Presidente para minorar o risco de uma queda do Governo antes do tempo considerado desejável.
Marcelo tem as mãos rigorosamente livres. Fez uma campanha sozinho, ganhou as eleições sozinho. Sem o apoio no terreno do PSD e criticado entre as quatro paredes por Passos Coelho que tudo tentou para que não avançasse, não hesitará em tornar a vida difícil ao ex-primeiro-ministro.
O que fará Marcelo? Ancorado pela coerência do seu discurso na campanha, pedirá publicamente a PSD e CDS que enterrem o machado de guerra e promovam a paz institucional com o PS – que será a forma de o país evitar uma nova crise e representará uma manifestação pública de boa vontade.
Se Passos aceitar o repto, fragiliza-se junto dos seus e não haverá Kompensan suficientes para tanta azia.
Se não aceitar, fragiliza-se publicamente junto do Presidente, que insistirá na ideia de que a página terá de ser virada. Uma situação complexa que, na secreta folha de intenções e estratégia de Marcelo, acabará numa nova liderança no PSD. E aí começará um novo jogo.
P. S. – António Costa foi o último a falar na noite eleitoral. Com um sorriso de ‘Gioconda’ quis passar a ideia de que ganhara novamente as eleições sem aparentemente as ganhar. Outra vez de mestre. Marcelo e Costa vão divertir-se.