No despacho final do MP, a que o SOL teve acesso, contam-se pelo menos 261 fichas de militantes «em situação ilícita» – ou seja, com dados falsificados (ver caixa) – , mas haverá pelo menos mais 600. No inquérito, foi possível atribuir a responsabilidade das 261 a 18 militantes, alguns dos quais já foram ou ainda são dirigentes locais do PS, que cometeram um crime de falsificação. Entre os arguidos está Rui Duarte, atual líder da concelhia do PS-Coimbra, assessor do presidente da Câmara deste concelho e ex-deputado (até outubro). E ainda Mário Jorge (presidente da Câmara de Soure), Francisco Reigota (presidente da Junta de Freguesia de Praia de Mira), António João Paredes (ex-líder do PS-Figueira da Foz), André Oliveira e Manuel Milagre (ex-líderes da JS-Coimbra).
Segundo o MP, o objetivo dos arguidos foi influenciar as eleições para a federação distrital dos socialistas em Coimbra, em 16 de junho de 2012. Isto em benefício de Pedro Coimbra, que derrotou Mário Ruivo e lidera desde esse ano a federação. Para isso, militantes e dirigentes de seis secções no distrito – Mira, Penela, Figueira da Foz, Soure, Penacova e Coimbra – falsificaram centenas de fichas de inscrição de novos militantes. Pedro Coimbra, que é também deputado, escapou a uma eventual acusação por «carência de indícios suficientes»: «declinou qualquer responsabilidade» nos factos, «alegando ignorar» as ilegalidades, além de nenhum arguido ou testemunha o ter implicado. Para o MP, o facto de ter sido beneficiado pelas ilegalidades «não significa que estivesse a par do que apoiantes da sua candidatura foram fazendo e, muito menos, que tivesse sido o mentor da ideia».
Pagaram para suspender
O inquérito foi aberto em 2012, após uma denúncia documentada de Cristina Martins, antiga líder da secção socialista da Sé Nova de Coimbra, que decidiu fazer queixa depois de a direção do PS, liderada por António José Seguro, ter recusado tomar medidas. Em 2014, a direção nacional do PS – que até hoje não tomou posição sobre s fichas falsas de militantes – moveu-lhe um processo de expulsão, posteriormente anulada pelo Tribunal Constitucional.
Na investigação, a Polícia Judiciária ouviu centenas de testemunhas. Por a moldura penal do crime de falsificação ser baixa (pena até três anos de prisão ou multa), além de os arguidos, sem antecedentes criminais, terem assumido os factos, o MP optou pela suspensão provisória do processo. Ou seja, o processo é suspenso e, em troca do futuro arquivamento, os arguidos terão de entregar quantias a instituições de solidariedade social ou cumprir dias de trabalho a favor da comunidade.
Seis dos 18 arguidos terão de fazer entre 50 e 250 horas de trabalho, enquanto os restantes pagarão entre 500 e 1.500 euros cada um. Rui Duarte, por exemplo, que é responsabilizado por 11 fichas falsas, terá de pagar 1.500 euros aos Bombeiros Voluntários de Coimbra. O ex-deputado esclarece que o facto de ter aceite este acordo não quer dizer que tenha assumido ter cometido o crime, mas apenas que admitiu não ter agido «com a prudência devida», confiando «na veracidade dos dados» das fichas que lhe foram dadas a assinar.
Segundo noticiou ontem o Campeão das Províncias, jornal online de Coimbra, militantes que não se reveem nas candidaturas de Pedro Coimbra e Victor Baptista pedem ao Secretariado nacional do partido que intervenha. É o caso de Mário Ruivo – antigo deputado, que foi derrotado por Pedro Coimbra na eleição de 2012 – que reclama a suspensão do ato eleitoral enquanto os cadernos eleitorais não forem corrigidos. É preciso «conferir credibilidade» às eleições com «cadernos eleitorais escorreitos», salientou. Se o Secretariado nacional não agir, Mário Ruivo promete uma candidatura de «terceira via» para disputar as eleições de 5 de março.
As conclusões do MP
– 261 fichas de militantes, pelo menos, «em situação ilícita», com dados falsificados por 18 arguidos. Há referência no processo a mais cerca de 600 fichas falsas, em que não se apurou a responsabilidade.
– Seis concelhias do PS-Coimbra onde foram registadas essas fichas: Mira (58), Penela (53), Figueira da Foz (90), Soure (8), Penacova (3) e Coimbra (94).
– Falsidades detetadas: muitas fichas têm «assinaturas falsas dos militantes propostos» e moradas sem correspondência com a realidade; noutras, as assinaturas são genuínas, mas os dados pessoais são «falsos»; nalguns casos, as assinaturas dos proponentes da inscrição e dos secretários coordenadores da secção concelhia que recebiam as fichas também são «forjadas».
– 18 arguidos, apoiantes de Pedro Coimbra nas eleições de 16 de junho de 2012, para a liderança da federação do PS-Coimbra. Quiseram influenciar a eleição de delegados ao congresso eletivo e, assim, o resultado final. Há registo de casos em que arguidos ou pessoas das suas relações foram votar em nome desses militantes inscritos irregularmente. Coimbra venceu Mário Ruivo (2.978 votos contra 2.282, uma diferença de 696 votos).
– Inscrição de militantes com dados falsos ocorreu entre junho e dezembro de 2011 – de forma a terem o mínimo de seis meses de militância para poderem votar na eleição de junho de 2012.
– Arguidos abordavam simpatizantes do PS, recolhiam dados pessoais e preenchiam fichas de adesão com esses nomes, mas moradas falsas. A indicação de moradas falsas permitia ficar com o cartão de militante, pagar as quotas e controlar o exercício de voto ou mesmo ir votar em seu nome, como aconteceu nalguns casos (o cartão de militante não tem foto e não era exigido o B.I.). Há, por isso, assinaturas falsificadas nos cadernos eleitorais.