Presidente da distrital de Santarém do PS, Gameiro admitiu, em declarações ao SOL, ter almoçado e jantado com Santos Silva e o angolano Delfim Albuquerque, mas garante que não praticou qualquer crime: «À minha frente, nunca trataram, que me apercebesse, de negócios. Nem sabia que Santos Silva, de quem sou amigo há muitos anos, tinha negócios com o Grupo Lena, pensava que ele apenas tinha uma empresa de projetos».
O deputado adianta que, mal soube que o seu nome estava envolvido no processo, tentou falar com a procuradora-geral da República, mas que Joana Marques Vidal nada lhe podia adiantar, ligando-lhe mais tarde o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Amadeu Guerra: «Disse-me que tinha sido extraída uma certidão sobre essa matéria, que eu não era arguido mas que, como deputado, deveria aguardar serenamente. Até aqui, ninguém me notificou de coisa nenhuma, mas eu tenho a consciência tranquila».
O angolano intermediário
Gameiro conheceu Delfim Albuquerque através do irmão deste, adido comercial na Embaixada de Angola, onde o parlamentar socialista se desloca com frequência para trabalhos de assessoria jurídica, e segundo o MP foi quem o apresentou a Santos Silva.
Delfim – que os investigadores do Operação Marquês suspeitam ser o intermediário entre o governo de Angola e o Grupo Lena nas adjudicações de obras públicas naquele país e de receber daí ‘luvas’ que distribui retendo uma quantia – nasceu em Angola, mas tem nacionalidade portuguesa. Sócio de um restaurante no Cacém e de uma discoteca, revela ter contactos ao mais alto nível no seu país.
À época, Angola pretendia investir nas redes rodoviárias e reconstruir 1.500 pontes, e Delfim mexera-se para conseguir uma parte do bolo para o Grupo Lena. Em novembro de 2013, tudo parecia correr sobre rodas. Gameiro, que se desdobra entre a atividade parlamentar e a faculdade Lusófona, onde é professor, foi o primeiro, segundo informações recolhidas pelo SOL, a comunicar a Santos Silva que o ministro angolano titular daquela pasta necessitava do dossiê das pontes com a maior urgência.
O intermediário acompanhava o desenrolar dos acontecimentos, sabia que as pontes mais críticas eram para avançar já e ainda não lhe tinham depositado uma das tranches combinadas: 50 mil euros. Sem os receios dos inexperientes, ameaçou-os: ou lhe pagavam ou ia trabalhar para empresas concorrentes e passar aquele contrato público para outros.
‘Luvas’ e pressões
Delfim é mestre no jogo e sabe como fazer pressão. Prometeram-lhe uma comissão de 5%, o equivalente a 750 mil euros, e a retaliação foi rápida. Joaquim Paulo Conceição, administrador executivo do Grupo Lena, sentiu-a na pele: o próprio secretário de Estado angolano que tutelava as estradas não esteve para rodeios e entrou em contacto com o grupo. Apesar de a obra estar em curso por decreto presidencial, o outro tirou-lhe o fôlego. Entre os seus, Conceição desabafou: «Isto é o Delfim, que está a fazer tudo a contravapor, e agora o secretário de Estado avisa-me que vamos ficar sem a obra, isto deve ser para a renegociar a seguir».
Mas o grupo não prescindiu dos serviços de Delfim. Já em 2014, o intermediário estava por Portugal e mandou recado a Santos Silva de que Gameiro iria receber um seu amigo, homem com arcaboiço para investimentos superiores a 400 milhões de euros. Mas o capitalista colocara uma condição: ser recebido por António José Seguro, então líder do PS. Sugeriu-lhe ainda, dada a importância da figura, um jantar de cortesia.
Delfim, que mexe bem os cordelinhos em Angola, é pau para outros serviços. Com o Banco Nacional de Angola mais vigilante, conseguiu autorização até para a saída do país de vários milhões de euros para as contas do Grupo Lena.
Mas não dá ponto sem nó. Num almoço com Gameiro e Santos Silva, aproveitou para pedir um adiantamento de 150 mil euros pelos negócios que mantém em conjunto, o que acaba por ser resolvido pelo empresário amigo de Sócrates.
Negócios na Venezuela
Mas Gameiro, que garantiu ao SOL nada ter que ver com estes esquemas, chegou a estar presente noutros encontros com intermediários que o MP suspeita terem participado no tráfico de influências exercido por Sócrates para arranjar negócios noutros países para o grupo de Leiria e a Octapharma, a multinacional farmacêutica para a qual trabalhava.
Um deles era o venezuelano Temir Porras – político muito influente na época da liderança do país por Hugo Chávez, conhecido até na imprensa local como ‘el lobista del poder». No final de 2013, Porras, que já adiara várias vezes um encontro com Sócrates, encontrou-se com ele no Hotel Ritz, em Lisboa. Precisamente no mesmo dia, Santos Silva marcou com Gameiro um encontro com Delfim. O deputado, que acompanhava o encontro de Sócrates com o chávista (o qual se ofereceu para despachar assuntos do Grupo Lena e de um futuro encontro do antigo líder socialista com o ministro da Saúde da Venezuela, para agilizar os pagamentos dos contratos do país com a Octapharma, que tinha lá empatados 30 milhões de euros em hemoderivados), acabou por se encontrar ainda com Santos Silva no Ritz, para este conhecer Temir Porras.
Ao SOL, Gameiro garantiu, porém, nunca ter conhecido tal pessoa. Só que, para os investigadores da Operação Marquês, os indícios de corrupção no âmbito destes negócios em Angola foram considerados suficientes para os autonomizar num processo à parte.