É candidata a primeira-ministra?
Naturalmente, todos os líderes partidários são candidatos a primeiro-ministro. Eu também.
Admite que possa ser a única candidata à liderança do CDS?
Talvez uma ou outra pessoa ainda possa aparecer, tanto quanto sei.
Quando diz que só avança porque não divide é porque procurou ter essa certeza. Era importante?
Procurei que as pessoas me vissem como alguém que tem como prioridade máxima estabelecer pontes, consensos e agradar. É como eu me vejo. Não quero com isto dizer que só avançaria se fosse candidata ‘única’. Mas era importante perceber se a minha candidatura dividia mais do que unia. E depois tomar a decisão.
Por que foi importante o diálogo permanente com Nuno Melo até ao anúncio da sua candidatura?
Precisamente para assegurar este clima de união e de paz no CDS. Havia muita gente no partido que considerava que o Nuno Melo deveria avançar. Houve muita pressão nesse sentido e e ele, certamente, terá feito a sua reflexão. Em todo o caso procurei sempre ter claro junto dele que estaria disponível para trabalhar com ele, no caso de ele avançar e vencer, e que acharia importante Nuno Melo estar comigo, se eu decidisse avançar. Mantivemos um diálogo muito franco.
Conta com Nuno Melo na sua direção? Será seu vice-presidente?
Com certeza.
O CDS quer afirmar-se como uma alternativa de centro-direita. Significa que perde ideologia?
O CDS sempre foi um partido de centro-direita. Tem uma inspiração democrata-cristã. Mas penso que devemos pôr o foco na resolução dos problemas quotidianos das pessoas. Interessa-me menos discutir doutrina, embora considere a doutrina importante e é aquilo que faz a diferença entre os partidos, mas interessa-me muito mais os problemas concretos da vida das pessoas: o desemprego, as pensões, os idosos que estão sozinhos, o problema da natalidade. Como é que nós podemos a ajudar a resolver estas coisas.
Mas o centro-direita já não está ocupado pelo PSD?
Não me interessa discutir o purismo da divisão doutrinária dos partidos. O que interessa é construir um caminho inspirado pela democracia-cristã. Há exemplos de diferenças de pensamentos entre PSD e CDS. Quando o PSD defende uma Caixa Geral de Depósitos privada, o CDS defende que deve ser pública. Sempre defendemos que era importante manter com segurança pelo menos um canal público de televisão e isso acabou por ser refletido no programa de governo. Não estou a discutir quem está mais à direita, ao centro ou á esquerda. Mas é relevante perceber as diferenças.
Pedro Passos Coelho pediu desculpa pela austeridade. Ainda não vimos o CDS assumir o mea culpa. O CDS não precisa pedir desculpa?
O CDS foi aquele que procurou sempre testar até ao limite como é que poderíamos ser menos austeros ou menos agressivos do ponto de vista do rendimento. Algumas inquietudes que se sentiram no próprio governo e que foram bem ou mal percecionadas cá fora tiveram que ver precisamente com isso: com o CDS a procurar outros ritmos. Recordo a dificuldade, enfim, que houve entre PSD e CDS para aprovar o OE de 2015, em que éramos a favor da eliminação da sobretaxa – que não foi possível – e acabámos por acordar aquela solução de crédito para o caso de ser possível fazer essa mesma devolução. Portanto, talvez Pedro Passos Coelho sinta essa necessidade de forma mais acutilante do que o CDS sente.
Essa é então a marca do CDS depois de quatro anos no governo?
Obviamente que poderíamos ter feito coisas de maneira diferente. Mas nas nossas matérias e na medida do que pudemos, tentámos levar por diante uma política de menor austeridade. Recordo, por exemplo, a defesa da descida do IVA na restauração, pela qual se bateu o ministro da Economia, mas que não teve vencimento; a reforma do arrendamento urbano, em que o Estado assumiu o seu papel na proteção dos mais idosos e mais frágeis economicamente, contrariamente à opinião da troika. Penso que os portugueses terão consciência disso.
O fim da lógica do voto útil é uma oportunidade para o CDS?
Sim. A partir de agora passa a ser mais importante quem é que tem 116 deputados e consegue formar um bloco para governar, independentemente de ficar em primeiro. Eu ouvia muito isso em campanha: ‘Gostamos muito de vocês, mas não chegam lá. Não vale a pena votar no CDS’. Isso acabou.
Aí o CDS pode fazer o mesmo que o PS: não sendo o partido mais votado, pode ir para o Governo.
Claro. Houve uma revolução na prática constitucional que no futuro pode ir contra o PS. Nós criticamos porque ninguém estava avisado de que isso poderia acontecer, mas o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro. Com certeza.
Ou então podem ficar mais livres para um acordo com o PS. Não?
Obviamente que temos um diálogo privilegiado com o PSD. Um PS encostado às esquerdas, que faz concessões ao PCP e ao BE, está muito longe daquilo que são as preocupações do CDS.
Se o acordo do PS com PCP e BE falhar, o Presidente da República pode pedir consensos com PSD e CDS. O CDS pode vir a responder?
Não faz sentido estar a pedir ao CDS para apoiar um António Costa perdedor de eleições e que só está como primeiro-ministro porque tem um acordo com as esquerdas. Se o acordo falha, então deixa de haver razão para António Costa estar como primeiro-ministro. Isso parece-me de uma clareza bastante cristalina. Querer que ele continue líder do Governo mas pedindo os apoios a quem ganhou eleições parece-me algo extraordinário.
As autárquicas do próximo ano serão um teste à sua liderança?
As autárquicas são eleições relevantes e são importantes para o CDS, que historicamente já teve um grande peso autárquico mas perdeu-o todo. Começou a recuperar, é certo, mas será uma prioridade consolidar e continuarmos o caminho do crescimento a nível autárquico.
Com menos coligações com o PSD?
Não acho que haja aqui uma solução fechada. Há sítios onde estamos coligados e corre bem; há sítios onde estamos sozinhos; outros onde estamos em oposição ao PSD e outros ainda em que estamos com o PSD em oposição a outra força política. Tem que haver alguma flexibilidade e uma leitura pragmática das circunstâncias de cada município.
Está escrito nas estrelas que Paulo Portas será candidato a Presidente da República?
Paulo Portas é um grande talento da política e é jovem suficiente para poder voltar à política como e quando quiser. Se decidir voltar à política ativa, certamente que o país não desperdiçará um talento como o de Paulo Portas.
Seria importante para o país ter António Guterres à frente da ONU?
Penso que sim. O CDS sinalizou isso em devido tempo. António Guterres tem muito boas condições para vir a ser um muito bom secretário-geral da ONU.
A eutanásia está na agenda pública. Admite dar liberdade de voto na bancada do CDS, se for apresentada alguma iniciativa nesse sentido?
No Congresso vai ser apresentada uma moção setorial da deputada Isabel Galriça Neto sobre a eutanásia e depois será debatido em Conselho Nacional do CDS, que tomará uma decisão. E nessa medida o CDS fará a sua reflexão. Não creio que a resposta da eutanásia seja a resposta de uma civilização do século XXI. Uma civilização que progride é aquela que é capaz de eliminar o sofrimento agudo e criar condições para que as pessoas vivam até ao fim dos seus dias. Não se pode simplesmente perguntar às pessoas se querem sofrer ou morrer. Deve ser dada a possibilidade de viver em condições de dignidade, mesmo em doença. Por isso é que a resposta dos cuidados paliativos ou do testamento vital são respostas que é importante executar de uma vez por todas em Portugal.
O Papa Francisco está a introduzir demasiada ideologia na Igreja?
Penso que não. Às vezes pensa-se que o Papa Francisco está a trazer grandes novidades do ponto de vista doutrinário. Mas sempre lá estiveram. Só que as mesmas ideias ditas pelo Papa Francisco com a sua capacidade de comunicação, se calhar tocam as pessoas de outra maneira. Ou seja, torna mais audível um discurso que sempre foi um discurso da Igreja. Há outras áreas, porém, como a área mais ligada à família, que o Papa traz alguma novidade e que as coisas estão a progredir de maneira diferente.
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