Tecnicamente não é um verdadeiro cessar-fogo – que implica negociações de paz em curso – mas antes uma «cessação de hostilidades», que implica um período de tréguas não vinculativas, apesar de as partes envolvidas no conflito se terem formalmente comprometido com uma paragem de duas semanas. Não todas, porém, porque esta acalmia não se aplica a todos. A Rússia exigiu, e os restantes envolvidos aceitaram, que continuasse a luta contra o Estado Islâmico e a Frente al-Nusra (ligada à A-Qaeda). Em resposta, o líder da al-Nusra assegurou que iria manter a ofensiva, tendo ainda apelado aos rebeldes (em cujas fileiras também combatem) para continuarem o combate. E pedindo aos sírios para não confiarem nos países ocidentais e nos EUA.
As tréguas foram inesperadamente anunciadas pelos responsáveis pelos negócios estrangeiros americano e russo, John Kerry e Sergei Lavrov, no início da semana, dias depois de outro cessar-fogo ter sido anunciado e falhado. Se tudo correr satisfatoriamente, ao mesmo tempo serão recomeçadas as negociações de paz que decorrem em Genebra sob os auspícios das Nações Unidas e que tinham sido interrompidas há poucas semanas.
O nível de compromisso é maior, desta vez. «Ninguém tem ilusões, estamos todos cientes dos perigos latentes e há muitas razões para ceticismo, mas a história julgar-nos-ia muito severamente se não tivéssemos tentado» disse Barack Obama, que combinou o entendimento com Vladimir Putin. «O mundo vai estar atento», acrescentou, numa tentativa de pressão sobre as partes em conflito.
Já são cinco anos de luta entre o governo de Bashar al-Assad, rebeldes contra o regime, separatistas curdos e extremistas islâmicos, apenas os últimos sem o apoio da Rússia e/ ou dos EUA e todos os restantes formalmente comprometidos com estas tréguas. E um balanço de 250 mil mortos e 10 milhões de deslocados, cerca de metade refugiados fora da Síria. Milhões de pessoas a sofrerem de fome e da falta de cuidados de saúde , necessidades que as agências internacionais afirmam crescer a cada dia que passa.
O drama é de tal ordem que uma parte crucial do acordo, aliás, é o compromisso das partes de que não levantarão qualquer obstáculo à intervenção humanitária no território que dominam.
Se as tréguas e o reinício das conversações de paz forem uma realidade, dá-se início a uma discussão crucial para o futuro do país: a permanência no poder de Bashar al-Assad. James Stavridis, antigo principal responsável militar da NATO considerou à BBC que «Assad é 80% do problema». Também cético quanto ao atual esforço, concede porém que a única solução viável terá de ser «imposta pelo exterior, tal como aconteceu nos Balcãs há 20 anos», continuou.
Se o mapa das negociações determinado pela ONU for mantido, passar-se-á depois a uma fase de cessar-fogo formal. A que se seguirão as negociações entre o regime e a oposição para uma transição política que permita um governo «credível, inclusivo e não sectário», uma nova Constituição e, finalmente, eleições «transparentes» para que o povo «decida o futuro da Síria».
O dia de ontem não foi fácil, com os vários envolvidos a fazerem um esforço final para entrarem nas tréguas na melhor posição possível. O exército de Assad, apoiado pelos bombardeiros russos, ganhou mais uma cidade perto de Alepo e bombardeou posições de rebeldes na zona de Damasco. A aliança entre a NATO com a Turquia, Arábia Saudita e Israel, investiu numa zona tampão.
Finalmente, há ainda a ter em conta a Turquia, o vizinho da Síria que nas duas últimas semanas lançou uma batalha política e no terreno contra as milícias apoiadas pelos EUAque têm sido as mais eficazes na luta contra o Estado Islâmico em terreno sírio. Ancara já disse que não respeitará o cessar-fogo se a sua segurança for ameaçada. O acordo é frágil, mas «o mundo vai estar atento».