Sílvio Cervan: ‘Há no CDS algum discurso serôdio disfarçado de cosmopolitismo’

     

O ex-deputado e dirigente volta ao ativo partidário para defender o património conservador do CDS e pedir a Assunção Cristas “que escolha os melhores” no Congresso de março.

Porque voltou à vida política ativa?

Não abandonei a vida política, abandonei a partidária, ao optar pela advocacia. Mas mantive intervenção política. Agora há uma mudança de ciclo no CDS e um conjunto de amigos desafiou-me e apresentar uma lista a delegados no Porto.

Que resultado teve?

Tivemos 30%, elegendo doze delegados, contra uma lista encabeçada por António Lobo Xavier, que é um grande amigo meu e correligionário. A minha lista mostrou a vontade de um conjunto de pessoas de participar. E isto não tem parado de crescer, com delegados de outros sítios que telefonam e querem participar.

Que balanço faz da liderança de Paulo Portas?

Apoiei-o desde a primeira hora, no seu primeiro congresso, tive muitas concordâncias e algumas discordâncias. Foi claramente um líder marcante, forte e algumas vezes determinante nos resultados eleitorais do CDS.

É amigo de Nuno Melo. Ele devia ter-se candidatado a líder?

Sou suficientemente amigo dele para achar que fez bem em não se candidatar, numa perspetiva egoísta, de que assim teremos mais tempo para ir almoçar ou jantar. É uma decisão dele.

Tem alguma preocupação especial perante a nova fase do CDS que motive a sua ida ao congresso?

Não. A Assunção Cristas é uma candidata que admiro pela coragem. Admiro a sua frontalidade e vontade e acho que foi uma excelente ministra da Agricultura. Sou insuspeito para falar, porque não tenho sequer com ela a relação de amizade que tenho com Nuno Melo.

O que espera dela?

Acho que tem uma obrigação. Ao ser candidata única está muito mais livre para traçar um rumo e para fazer uma grande equipa, está muito menos amarrada a interesses de aparelho. O CDS não tem de estar à procura de querelas e guerrilhas mas é preciso juntar vontades e escolher os melhores. Porque o CDS tem um grande desafio que é o de saber se consegue falar diretamente para os problemas do país e não ficar apenas virado para si mesmo. Eu acho que a Assunção Cristas terá essa capacidade de fazer bem.

Vai apoiar Assunção Cristas?

Ela deve ter centenas de apoiantes. Tem um perfil em que me revejo nalgumas coisas e tem posições que não são as minhas.

Nomeadamente?

Na adoção por homossexuais, tenho umas dúvidas. Sou um bocadinho mais conservador. Há uma coisa que desde já digo em relação ao futuro do partido. O CDS não tem que ter nenhum complexo por ter ajudado Portugal a salvar-se da bancarrota. E vejo um conjunto de responsáveis do CDS com um discurso quase justificativo. É bom que a gente diga que isso é um ativo. Porque, à direita e à esquerda, já há uma grande percentagem de portugueses que não vai nem em demagogias nem em populismos. Os últimos meses, à direita e à esquerda, viveram-se muito na demagogia. O CDS tem valores imutáveis em que não deve mexer.

Quais?

Todos os que fizeram o CDS forte. E acho que há algum discurso serôdio disfarçado de cosmopolitismo e modernismo. Uma coisa é adaptarmo-nos aos novos tempos, outra coisa é perceber que aquilo em que acreditamos se mantém absolutamente essencial e é imutável. A família como pedra basilar da sociedade, a economia liberal e de mercado com responsabilidade social, a crença de que uma pessoa ou uma empresa gastam sempre melhor um euro do que o Estado.

O CDS fará mal em recentrar-se ou em caminhar em direção ao centro?

Parece que há quase uma vergonha de ser de direita, não é o meu caso, de todo. Costume autodefinir-me como conservador e soberanista. Acho que o CDS defende muito uma perspetiva conservadora e soberanista do país. Um Portugal que é europeísta, mas no respeito pela sua própria identidade. Isso é-me caro. Não devemos por nada hipotecar esse legado, numa Europa cada vez mais incerta.

A relação privilegiada com o PSD deve continuar?

Paguei caro em 1997, quando me bati no Pavilhão Carlos Lopes, por o CDS fazer coligações com o PSD. Entendo que deve ser um parceiro privilegiado, mas isso não significa dissolvermo-nos dentro do PSD. Acho que não é bom nem para o CDS nem para o PSD. Somos partidos com um ADN diferente. Não raras vezes temos até posições diametralmente opostas, o PSD, sim, foi sempre um partido mais pragmático, nós fomos sempre um partido mais ideológico. É assim que deve continuar, até porque muitas vezes fomos o eixo da roda que encaminhou o PSD. Já os corrigimos a eles tantas vezes e continuamos aqui disponíveis para evitar novas derivas perigosas para o país do PSD.