2.Como explicar esta originalidade? Duas razões: uma, o descrédito e a baixíssima popularidade do Presidente cessante (goste-se ou não se goste, concorde-se ou não se concorde); outra, a ocupação total e esperta do espaço mediático por parte de Marcelo Rebelo de Sousa. Ora, almoçando com António Costa; ora recebendo o Governador do Banco de Portugal; ora recebendo a Medalha de Honra do Sporting de Braga.
3.O dia de ontem foi apenas o formalizar algo que, na prática, já se verificava – desde o dia 25 de Janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa já era o Presidente da República de Portugal de facto. Por conseguinte, Marcelo optou por um discurso de tomada de posse mais simbólico do que político. Desde a evocação da nossa história (em perfeito latim e, como recordava alguém, com a primeira citação, em Parlamento eleito em democracia, da bula papal que reconheceu a independência da nossa Nação), até à citação de Miguel Torga de que não estamos mortos, nem esgotados. Com um acento tónico na esperança no futuro – e à união, para além de tudo quanto nos divide.
3.1.Ou seja: Marcelo Rebelo de Sousa deu preponderância ao elemento simbólico, desvalorizando o elemento político em sentido puro. Um discurso neutral para passar pelos “pingos chuva”: nem para agradar só ao PS – nem para desagradar só ao PS. Nem para agradar só ao PSD e CDS– nem para dessagrar só ao PSD e ao CDS. E ser inofensivo igualmente para a extrema-esquerda. Um discurso chaaato, como chamou um articulista do jornal Público? Um discurso politicamente enfadonho, como pulula na blogosfera? Não: um discurso próprio de alguém que foi eleito com uma popularidade tremenda, por si só, sem máquina partidária activa. Marcelo foi Marcelo na campanha – Marcelo quer ser apenas Marcelo em Belém.
4.Tudo dito e ponderado, Marcelo Rebelo de Sousa escolheu como sua primeira função o restabelecimento da credibilidade e do prestígio da instituição Presidência da República – debilitada após o período de gestão de crises permanente com que Cavaco Silva se confrontou. Ontem, ao confrontar as salas do Palácio da Ajuda em que se prestaram cumprimentos ao Presidente empossado e ao Presidente cessante, constatámos (televisivamente) a concretização da lei da miséria do poder: Cavaco Silva acabou numa triste e porventura imerecida solidão; Marcelo Rebelo de Sousa inicia com uma multidão, porventura exagerada. Agora, sim: o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vai iniciar o seu show. Que seja tão eficaz – a bem de Portugal – quanto foi a campanha eleitoral.