H. Raposo: um camiliano precipitado

Vamos lá fazer a declaração de princípio que agora está de moda: sinto-me bastante alentejano, embora de facto o não seja totalmente; mas sou-o por afinidade. Primeiro, porque casei com uma alentejana, depois porque durante muitos anos a única casa que tive em Portugal era em Évora, e finalmente porque 6 dos meus 8 filhos…

Agora passemos ao caso em que se transformou o livro Alentejo Prometido (107 páginas editadas pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, ligada ao Grupo Pingo Doce), do colunista da Direita do Expresso (digo isto, porque ele está ali nessa qualidade, a ocupar o cargo de cronista de direita, como sucessor do mais talentoso João Pereira Coutinho, que me parece ter-se mudado). Sobre o livro se ter tornado um caso, podemos dizer que Raposo teve muita sorte. Segundo uma máxima da publicidade, o que é preciso é falar de nós, mesmo que seja para dizer bem». Desta vez, para sorte do autor, até foi para dizer mal. Começou com palavras exaltadas nas redes sociais (a que os que escrevemos estamos habituados como um mal da nossa democracia digital), e teve depois o balanço de uma Galeria (se assim se pode chamar, depois da sua atitude parecer bastante censória, ainda que fosse apenas cobarde), que recusou servir para a apresentação do texto, como estava inicialmente previsto e anunciado.

Finalmente, o que me parece realmente grave. Li no Público ter o autor afirmado o seguinte: «eu tenho um olhar camiliano sobre os portugueses», considerando a visão do país queirosiana de «olhar cínico, mole e brando», mas a de Camilo como um «olhar trágico, duro».

Na minha escassa opinião, como já disse atrás, este Raposo não chega aos calcanhares intelectuais do seu antecessor Pereira Coutinho. Por isso, não faz parte das minhas leituras habituais do Expresso. Passei uma vez por ele, e chegou-me. E devo dizer que as minhas leituras habituais não são escolhidas em função das posições políticas (não me interessaria portanto ele ter-se encostado ao nicho político da direita, sector onde admiro vários cronistas de imprensa), mas por outros critérios de interesse que professo como leitor. Mas a distinção que ele faz entre Camilo e Eça é que já me põe de pé atrás. Porque pelo que sabemos da História, Eça até foi mais polémico, e criou inimizades muito maiores e mais numerosas do que Camilo (deixando até à responsabilidade exclusiva de ramalho as que lhe poderiam advir das Farpas, certamente mais ramalhosas que queirosianas). Se ele dissesse que Eça foi mais cerebral na criação das suas personagens (que aí continuam, cheias de atualidade, menos trágicas do que as de Shakespeare mas igualmente vivas), ainda perceberia. E que Camilo teve de se resignar à catadupa imaginativa e criadora de imensos livros para viver, também o entenderia. Trágico e duro, sim, Camilo era, na sua vida e na obra. Mas não o comparo a Raposo, nem nisso.

Vou confessar que não tenciono ler o livro. São inúmeros os livros que tenho para ler, seguramente com maior interesse. Mas pelo que vi nos jornais, Raposo gosta muito menos do Alentejo do que eu, e tem sobre a região um olhar terrível, talvez moldado pela sua condição mais recente de suburbano. De qualquer maneira, sou a favor da sua liberdade de expressão (eu sou a favor da liberdade de expressão, e não da rebaldaria da expressão). E registo mais uma vez a sorte que teve com esta propaganda toda (apesar de não defender de maneira nenhuma quem a provocou, aparentemente de forma involuntária e burra), que até me levou a escrever sobre ele, coisa que não tencionaria fazer, e provavelmente nem voltarei a fazer.