Quando Portas começou a falar, ainda havia quem na audiência não tivesse enxugado as lágrimas provocadas pelo vídeo que mostrou os 16 anos da liderança partidária mais longa do espetro partidário português. Apesar de afastar a ideia da nostalgia e de afirmar sentir "um entusiasmo quase juvenil" com a ideia de mudar de vida aos 53 anos, Paulo Portas também se mostrou emocionado com o momento que encerra mais um capítulo da sua vida.
As primeiras palavras foram para dentro do partido, já pensar na liderança de Assunção Cristas, que ainda não tendo sido eleita é já vista como certa na sucessão a Portas. "A partir de amanhã temos aqui a primeira de nós", lançou no início do discurso.
Na hora da saída, Portas quer "toda a gente bem disposta", com o "orgulho sereno" pelo trabalho feito e "a esperança fundamentada no caminho que o partido inicia amanhã".
"Respira-se uma Pax centrista que é invejável", observou o quase ex-líder, recuperando uma tirada de Adelino Amaro de Costa para descrever a "unidade sem unicidade" que se vive no partido. E elogiou até os "exemplos magníficos de renúncia em nome do todo", convencido de que "os portugueses não têm vagar para disputas em aparelhos partidários".
Portas sobreviveu a sete líderes do PSD e a cinco do PS
Mesmo convencido de que "o país respeitou e o partido percebeu" a decisão de abandonar agora a liderança, Paulo Portas voltou a justificar-se com a matemática de todos os que já foram os seus interlocutores na cena política ao longo de 16 anos de liderança. Foram sete presidentes do PSD, cinco secretários-gerais do PS, cinco primeiros-ministros e quatro Presidentes, já a contar com Marcelo.
"Há um tempo para passar o testemunho", frisou, reclamando para si os louros do crescimento do CDS que, soube o seu consolado, angariou 24 mil dos 36 mil militantes ativos.
"Quis atrair para o CDS os melhores", afirmou, lembrando a "lista de potenciais sucessores" que desenhou e que o fazem acreditar que o partido está em boas mãos.
É, de resto, sobre as mãos de Cristas que Portas encontra a frase e uma imagem quase maternal sobre aquilo que em seu entender os portugueses esperam da próxima líder do CDS: "A safe pair of hands. É aquilo que os portugueses esperam de ti, que sejas um par de mãos seguras para tratar de Portugal".
Belém daqui a dez anos?
Muito se tem especulado sobre o que será o futuro político de Portas, sendo certo que a política é uma "atividade viciante", mas não "uma adição pessoal", como o próprio sublinhou. Se houvesse um jogo de apostas, as fichas estariam todas numa candidatura presidencial daqui a dez anos. Mas Portas pede paciência para quem gostaria de saber já o que o futuro reserva.
"Não se preocupem com a pergunta o que é que ele vai fazer daqui a dez anos. No mundo em que vivemos, qualquer especulação superior a seis meses é no mínimo um atrevimento", disse.
Para o futuro, Portas assim um projeto: "Trabalhar, trabalhar, trabalhar". Mas não foi mais concreto do que isso, sabendo-se que já disse ao Expresso que se ia dedicar a "fazer empresas".
O fim do voto útil
Uma boa parte do discurso de Portas foi a atacar a geringonça desenhada por António Costa e as ilusões à Syriza. Mas o líder que está de saída do CDS acredita que há uma mudança trazida por esta solução governativa que pode fazer a esquerda ser vítima da sua "medicina", já que, como tinha anunciado Assunção Cristas na apresentação da sua candidatura à liderança: o voto útil acabou e essa é a oportunidade dos centristas para crescer.
A ideia de que votar no CDS em vez de no PSD só serve para ajudar o PS a vencer as legislativas é um "medo que deixou de ter razão de ser".
"O que conta a partir de agora é quantos deputados formam maioria", frisou, com um apelo ao eleitorado de centro-direita que acredita preferir os centristas mesmo votando nos sociais-democratas.
"Escolham à vontade a vossa primeira opção", atirou.
Adeus? Portas prefere até amanhã
Ao fim de quase uma hora de discurso, Portas rematou com um: "E pronto. Finito".
"Não me perguntei se é ateá já ou até sempre. A resposta é muito mais prosaica: até amanhã porque eu estarei cá", disse, garantindo que no domingo virá ao Congresso votar e assistir à consagração de Cristas como líder.
No final do discurso, Portas puxou pela emoção que tinha dito querer evitar. Quando concluiu, houve uma debandada quase geral da sala. Mesmo que este Congresso seja o da vitória de Assunção Cristas, há ainda um luto por fazer pela saída de Paulo Portas e isso nota-se.