Em dez anos de mandato, que todos os PR têm cumprido até agora, são raros, quase únicos, os momentos de real ou potencial crise política que exigiram uma intervenção mais assinalável e marcante do Presidente de serviço. Soares em 1987, ao recusar uma aliança PS-PRD e dissolver a AR. Sampaio em 2004 com a posse e subsequente queda do Governo de Santana Lopes. E pouco mais. Ramalho Eanes foi outra história, a da atribulada transição do PREC para a democracia.
Cavaco Silva teve, em Belém, o seu momento mais determinante no verão de 2013, com a ‘crise do irrevogável’. Na qual, querendo ser institucionalmente original, engendrou uma proposta abstrusa de antecipar eleições a troca de um consenso falhado entre PS e PSD/CDS. E pouco mais.
Pode dizer-se que Cavaco teve pouca sorte ao apanhar em cima com uma crise internacional, logo em 2008, e com um 1.º-ministro como Sócrates, que levou o país à beira da bancarrota, à intervenção externa, à austeridade e ao empobrecimento. Mas Cavaco também falhou em episódios tão infaustos como os das escutas em Belém ou das pensões que não chegavam para pagar as despesas. E nunca conseguiu sair da rigidez institucional, que está na sua natureza, para criar uma relação de maior proximidade com os portugueses. Tudo isso explica a impopularidade final.
Já como primeiro-ministro, de 1985 a 1995, Cavaco foi o rosto de uma nova política, do progresso e desenvolvimento do país, de rigor e exigência na governação, de aproximação de Portugal aos padrões e índices europeus. É essa a marca indelével que ficará dos seus 40 anos de intervenção pública.
Uma marca que nenhum dos primeiros-ministros socialistas conseguiu deixar. E é sobretudo por isso que a esquerda gosta tão pouco de Cavaco Silva.