O Regresso dos Lobos seria um romance banal, se considerássemos apenas a superfície da narrativa. Narrados do ponto de vista da protagonista, sucedem-se uma série de eventos decisivos, mas sem grande suspensão: o suicídio da mãe já muito idosa, a gravidez inesperada, o reencontro com o irmão, o parto e os cuidados do bebé, um novo relacionamento amoroso, a gestão do cercado dos lobos, a sua adaptação, algumas conspirações e uma busca final). Caine é um boa criadora de ambientes e ágil nos diálogos, o que torna a leitura agradável e despretensiosa. Contudo, só voltada a última página, revista a paisagem total e iniciada uma segunda leitura, se revelam pormenores excelentes de corporalidade e psicologia das personagens (o conde é, afinal, um curioso Gatsby inglês), de descrição de cenários, do comportamento dos animais e de uma «espécie de experiência dickensiana» e, sobretudo, de sustentação de uma metáfora subliminar sobre solidão, independência e liberdade.
A epígrafe dá o mote: susiraja, termo finlandês, significa «fronteira do lobo» e sugere «que tudo o que estiver para lá da fronteira é selvagem». No fogo do olhar amarelo dos lobos esconde-se um espelho da imprevisibilidade e manipulação humanas. «Não há ferida nenhuma. A única ferida é a vida, criando-a impiedosamente, sabendo que nunca será segura e que nunca durará muito; apenas será sempre real».
O Regresso dos Lobos
Sarah Hall
Jacarandá
434 págs., 19.90 euros