“Augusto M. Seabra, sociólogo de formação, exerce a actividade de crítico desde 1977, tendo sido um dos fundadores do Público. Fez parte do júri em festivais de cinema como Cannes, San Sebastian, Turim; Salónica ou Taipé”, refere a nota biográfica do jornal.
Nas palavras de um antigo colega seu naquele diário, “se o Público foi uma referência na área cultural, a ele o deve. O Augusto teve uma importância fundamental na formulação do Público, embora não fizesse parte da direção. Ele era, se assim se pode dizer, o quinto mosqueteiro” (sendo os outros quatro Vicente Jorge Silva, Jorge Wemans, José Manuel Fernandes e Nuno Pacheco). Outra fonte refere que Seabra foi, com Vicente Jorge Silva, Nuno Pacheco e o designer Henrique Cayatte, "um dos quatro que lançaram o projeto e teve então um papel preponderante e insubstituível". Apesar desse papel decisivo, Seabra recusou desde o início fazer parte do quadro de jornalistas do diário, preferindo manter-se como colaborador. Uma postura, de resto, semelhante à que adotara no Expresso, onde pertencia ao círculo de Clara Ferreira Alves e Vicente Jorge Silva.
Quem com ele privou nos meandros no jornalismo recorda que Seabra era “descuidado a vestir” e apreciava a boémia e a vida noturna, marcando presença habitual em locais da noite lisboeta como o Snob e o Frágil.
Todos, no entanto, lhe reconhecem a cultura enciclopédica e a “grande inteligência”.
“Costumávamos dizer que ele tinha a Enciclopédia Larousse na cabeça”, recorda um companheiro do Expresso. Outro antigo colega sublinha a sua memória impressionante. “Nunca conheci ninguém assim. Conhece as datas dos filmes, sabia quem tinha entrado em cada um deles. Uma enciclopédia ambulante”.
“Ele é doido por música clássica. E gabava-se de que uma crítica positiva sua a um filme levava 15 mil pessoas ao cinema”, revela outro jornalista contactado pelo Sol. Na redação, sempre que havia dúvidas sobre acontecimentos históricos, os colegas recorriam a Seabra como hoje recorrem ao Google ou à Wikipedia.
Durante o Verão Quente de 75 Seabra fez parte do MES (Movimento de Esquerda Socialista), tendo vivido aí um episódio recordado por um antigo camarada daquele movimento. “O Augusto é asmático, e já na altura tinha graves problemas respiratórios. Em 75, em pleno PREC, houve uma manifestação organizada pelo PS a favor da liberdade de imprensa e contra a manipulação dos órgãos de informação do Estado pelos comunistas. Na sede do MES, na av. D. Carlos I, tomámos medidas de segurança máximas. Quando um grupo de manifestantes avançou, a tropa lançou gás para cima deles”. Viveram-se momentos de tensão. “Eu estava no sótão, onde havia uns tipos deitados com G3 prontos para disparar, e comecei a ver aquela malta toda a correr. E ouço no walkie-talkie: ‘O Augusto Seabra levou com gás em cima e vem aí em braços’. Só que tínhamos de criar condições para abrir a porta, por isso ele ficou uns minutos lá fora à espera”.
Na sede do MES, Seabra acabaria por ser socorrido por uma equipa de médicos e enfermeiras que estavam preparados para qualquer eventualidade. Ainda assim, recorda o antigo camarada, “como eu não lhe abri logo a porta, sempre que ele me encontrava, dizia-me: ‘Ias-me matando’”.