No Congresso do PSD, no último fim de semana, Passos lembrou que o partido não é uma «Maria que vai com as outras» e que não irá esquecer o que defendeu até agora. Mas procurou afastar a imagem de partido que não está disponível para negociar, que começava a ficar cravada. Para isso, vai obrigar o PS a assumir que recusa as suas propostas. «Passos está a criar a perceção de uma oposição construtiva sabendo que do lado de lá nada será acolhido. São caminhos muito diferentes e nem Passos nem Costa vão recuar», nota um dirigente do PSD ao SOL.
A viragem começou logo a ser tentada, depois do Congresso, com a apresentação de propostas para o Programa Nacional de Reformas (PNR). Ao desafio lançado por Caldeira Cabral, ministro da Economia, para que o PSD defenda as mais de 30 ideias para a capitalização das empresas, Luís Montenegro, líder parlamentar do partido, respondeu que só aceitarão discutir na Assembleia da República.
Passos quer colocar na agenda mais propostas alternativas para responder aos seis eixos com que o Governo esboçou o PNR, um documento cheio de generalidades e vazio de propostas, segundo o PSD. Mas o ex-primeiro-ministro não deixou de avisar que é difícil discutir reformas sem conhecer o quadro macroeconómico para os próximos quatro anos e que terá de ser inscrito o Programa de Estabilidade (PE), que será discutido no Parlamento no dia 27.
Entusiasmo de Marcelo não afasta partido da oposição
Ainda assim, o PSD vai apresentar a votos os projetos de resolução com as propostas para o PNR, mesmo que o Governo recuse a votação da versão final do documento antes de ser enviado para Bruxelas, como pedia.
O «magnífico sinal» que o Presidente da República viu nas propostas do PSD não deverá ser alargado ao PE. À Antena 1, Passos admitiu que é improvável que o PSD venha a apresentar um programa alternativo. «Não vamos fazer de conta que estamos no Governo, porque não estamos».
O aviso está em linha com o que saiu do Congresso. Por um lado, a ideia de que Costa precisa apenas de si para manter a aliança com PCP e BE («a estabilidade governativa não depende do PSD», disse Passos) e, por outro, o aviso a Marcelo de que não espere outra coisa do PSD que não o cumprimento do mandato como partido da oposição. Passos tem definida uma estratégia para o curto e médio prazo e em Espinho afastou o cenário de eleições antecipadas, mesmo que o guião não o confirme.
Os próximos meses serão de marcação ao Governo. O discurso sobre o plano B, que não subiu ao palco de Espinho, deve ser recuperado, agora que Mario Draghi se congratulou com o facto de o Executivo ter assumido em Bruxelas um plano com medidas alternativas, se as necessidades orçamentais a isso obrigarem. O que vem dar força à tese do PSD, de que a receita de Costa (crescimento pela via do consumo e aumento de salários) mais cedo ou mais tarde irá afetar a sustentabilidade financeira, preocupação que Passos colocou como a terceira prioridade para o país (depois da inversão da recessão demográfica; do combate ao défice de competitividade e às desigualdades sociais).
A oposição a partir da São Caetano à Lapa e do Parlamento faz-se, por ora, em cima de um tabuleiro onde ainda faltam peças. «É a oposição possível num quadro onde se veem mais incertezas do que certezas», nota um dirigente da bancada do PSD. Uma dessas peças em falta é a estratégia do CDS, sobre a qual o PSD espera uma clarificação para se posicionar neste novo ciclo, agora que parece terminado o do voto útil.
Autárquicas cavam distância do CDS
Se dúvidas resistissem sobre o afastamento entre PSD e CDS, o tema das autárquicas do próximo ano serviu para as afastar.
O objetivo de Passos é ganhar o maior número de autarquias do país e a liderança simbólica da Associação Nacional de Municípios. A estratégia para Lisboa e para o Porto ficou por esclarecer. Mas uma coisa parece institucionalizada: jamais pôr o PSD a apoiar Assunção Cristas ou um candidato do CDS.
A fasquia social-democrata é alta, mas faltam os meios. Se no Porto as eleições já parecem perdidas para Rui Moreira, em Lisboa Santana Lopes fez o favor de reativar o tabu sobre uma possível candidatura sua à capital. Quinta-feira, na SIC Notícias, repetiu a forma: «Keep cool!» (que é como quem diz, ‘calma, eu ainda posso avançar’). Enquanto se mantiver o ‘tabu Santana’, o PSD atrasa o casting para recuperar a maior autarquia do país, onde o CDS aproveitou o vazio de candidatos no PSD para tentar impor uma candidatura liderada por si.
Nova geração ficou à porta da direção
Passos riscou pouco na renovação do seu núcleo duro. Substituiu homens por mulheres, é certo, e com isso deu um sinal de que se preocupa com as questões da paridade, mas deixou à porta da direção a nova geração. São os casos de Miguel Morgado, seu ex-assessor político em São Bento, e de António Leitão Amaro, ex-secretário de Estado da Administração Local. Passos optou, assim, por manter os intocáveis (Moreira da Silva, Marco António Costa e Teresa Leal Coelho), e chamou caras do anterior Governo, como Maria Luís Albuquerque e Teresa Morais, e Sofia Galvão, próxima de Marcelo Rebelo de Sousa.
Reformas e novo desafio ao PS
A reforma do sistema eleitoral e da Segurança Social são as prioridades de Passos Coelho, mais do que uma revisão constitucional. O líder do PSD reiterou o desafio ao PS para reformar a SegurançaSocial. Lembrou que esta é também uma bandeira do CDS e pediu aos socialistas para que esqueçam os slogans de campanha (corte nas pensões). Frisou até que o PSD não quer impor as suas soluções. «Mas não nos podem pedir que desistamos de todas as nossas propostas para subscrever as do Governo», clarificou, na Antena 1. Sobre a reforma eleitoral para introduzir o voto preferencial e a redução do número de deputados, Passos lembrou que o PS, em tempos, subscreveu essa proposta. E ainda jogou com o calendário: tendo em conta que o país não vai a votos tão cedo, por que não aproveitar este tempo para reformar o sistema? Assunção Cristas até admite, sem grande entusiasmo, discutir o assunto (que estava no programa eleitoral do PSD/CDS), mas só se ficar salvaguardado o «pluralismo partidário».
Críticos não fazem estragos
Paulo Rangel, José Eduardo Martins e Pedro Duarte foram os críticos de serviço mas não chegaram para fazer mossa. É certo que o posicionamento assumido à entrada do Congresso vale mais para memória futura do que para o presente. Rangel quer ver o PSD como o partido da mobilidade e propôs acabar com os títulos de Dr., Eng. e outros nos documentos oficiais do Estado; Martins pediu uma «oposição com alma, com alegria, com esperança» e criticou a forma «fria e burocrático» como o partido comunicou os cortes nas pensões, por exemplo. Pedro Duarte, por seu turno, propôs uma nova agenda política, lembrando que o «equilíbrio financeiro é tão-só uma premissa».