s palavras de Steve McCurry pintam-se de cores intensas, esmagadoras. Talvez por isto, pedir-lhe que fale das suas fotografias, do seu trabalho, das suas viagens resulta quase sempre em frases curtas, soltas, desencontradas. As suas palavras têm forma de fotografia, é ali que diz o que tem para dizer. Talvez por isto nunca sai de casa sem máquina, que acaba por ser uma espécie de tradutor do mundo.
McCurry foi sempre irrequieto e, por isso, talvez não seja totalmente injusto dizer que, antes de fotógrafo, é um viajante. Natural de um subúrbio de Filadélfia, aos 19 anos já estava na Europa, onde chegou a trabalhar em restaurantes, em cidades como Estocolmo e Amsterdão. Regressou aos EUA para estudar Cinema, na Universidade da Pensilvânia.
No final foi trabalhar para um jornal local mas o passaporte voltou a pedir-lhe carimbos. Tornou-se freelancer e partiu para a Índia. Tinha 27 anos, foi por seis semanas, ficou dois anos. Consigo levou apenas o bilhete de ida, um saco de roupa e outro carregado de rolos de fotografia, numa altura em que digital ainda era conceito de ficção cientifica. Desde então regressou à Índia mais de 80 vezes, país onde diz ter aprendido a paciência e a verdade das pessoas, e cuja relação acabou retratada no livro “Índia”, uma compilação de 150 fotografias lançada pela editora Phaidon. Vinte dessas imagens, tiradas entre 1983 e 2010, estão agora em exposição na Barbado Gallery, em Lisboa, até 9 de junho, naquela que é a sua primeira exposição individual em Portugal.
Foi a sua primeira viagem ao Afeganistão – país onde esteve três semanas antes de vir a Portugal e que considera “muito stressante” – que o projetou internacionalmente. McCurry entrou no país aquando da invasão soviética tendo conseguido sair do com os rolos do seu trabalho porque os escondeu na bainha de um traje tribal que usou para atravessar a fronteira para o Paquistão.
As suas fotografias do conflito foram das primeiras a serem divulgadas e isso valeu-lhe a medalha de ouro Robert Capa. Voltou ao Afeganistão regularmente e correu outros conflitos internacionais como no Camboja, nas Filipinas, no Líbano, na ex-Jugoslávia, no Iraque. Ainda assim, não se revê no papel de repórter de guerra, apesar de reconhecer que uma fotografia ou um texto podem alertar o mundo para o que se passa nestes países. “O jornalismo existe para nos ajudar a entender coisas como as mudanças climáticas, a situação na Síria, a sida, a crise dos refugiados, o mundo”, diz o jornalista que colabora regularmente com publicações como a “National Geographic”, “Times” e “New York Times”, e que continua a defender a importância do papel, onde as coisas “coisas existem para sempre”, explicou ao B.I. na sua visita a Lisboa.
O que seguramente ficou para sempre na vida de Steve McCurry foi o retrato que fez, em 1984, de Sharbat Gula, a jovem refugiada afegã de olhos hipnotizantes que foi capa da “National Geographic” e se tornou uma das imagens mais icónicas do século XX, sem, no entanto, carregar um peso negativo. “Nunca entendi esse retrato como um fardo para mim. Para ser honesto, nunca pensei na foto de uma maneira ou de outra. Apenas me senti satisfeito por apreciarem o meu trabalho.” Foram necessários 17 anos para que o fotógrafo reencontrasse a jovem que marcou, ainda que sem saber, toda a sua carreira. Sharbat era já uma mulher casada, mãe de três crianças e a viver numa aldeia no Afeganistão.
Apesar dos seus 66 anos, dos quais 40 foram vividos como fotógrafo e 35 a viajar ao serviço da profissão, estes são números que não afastam Steve McCurry das viagens, que continuam a marcar a sua forma de estar. Na vida e na profissão. “Para mim viajar é sempre uma aventura, mas é relaxante, acalma-me. Tenho essa característica contemplativa, gosto de andar pelos sítios, apreciá-los, conhecê-los.” Reconhece, no entanto, que o mundo é hoje um local bem distinto daquele que conheceu em 1978, quando começou a viajar mais regularmente. “O mundo era diferente.
E as coisas mudaram tão depressa. Constantemente regresso a alguns locais, como à Índia, e sinto que há mudanças, as pessoas hoje em dia estão muito mais conscientes do resto do mundo. E o mundo está a tornar-se mais homogéneo, as pessoas estão todas a começar a parecer iguais, o que não é necessariamente bom. Sempre estive mais interessado na personalidade e individualidade de cada pessoa, na sua identidade cultural. O que gosto de ver e experienciar são lugares que são únicos na sua personalidade e herança. O que procuro são momentos. Mas momentos reais, não sou fã de compor as minhas imagens”, conclui.