Se pensar ao que aconteceu com outros atores portugueses que tiveram papéis de protagonista no Brasil, está preparado para esse fenómeno?
Nunca me preparo para isso. Sinto-me sempre muito pequenino perante a grandeza destes projetos. O que penso sempre é em dar o meu melhor, atiro-me sempre de cabeça. Mas claro que os meus colegas, durante as gravações, foram-me dizendo que tinha de me preparar porque no Brasil a imprensa e o assédio são muito maiores. Nós somos 9 ou 10 milhões de habitantes, eles são mais de 200 milhões. Mas não consigo pensar nisso.
O facto de ser um projeto fechado, que chega ao público já com as gravações terminadas, retira alguma pressão?
Sim. Mas mesmo que assim não fosse nunca me deixo contagiar muito por estas coisas, porque não é isso que me move nesta profissão. Claro que um ator precisa de público e de aplausos, vivemos disso, mas como sempre fiz as coisas direitinhas, comecei por estudar numa escola de atores, depois fui fazendo umas coisinhas no cinema, depois teatro e só depois televisão, nunca me deixei deslumbrar. Não critico quem o faz mas nunca me aconteceu. Claro que sei que o impacto no Brasil vai ser tremendo até porque é a prequela de uma história que teve muito sucesso, e no Brasil as pessoas vivem mesmo muito a novela. Em Portugal já somos muito bons, mas o orçamento deles é dez vezes superior ao nosso. Ainda por cima fui fazer uma novela que tem uma coprodução com Hollywood.
Isso faz com que a ideia de voltar a fazer novela em Portugal o desiluda de alguma forma?
Adoro Portugal e adoro trabalhar cá. Mas não posso mentir: experimentei o que é trabalhar num mercado como o Brasil e lá o nosso trabalho é muito valorizado, a cultura tem muita força. Apesar da crise que estão a passar. Quero trabalhar em Portugal, mas sei que agora vou sentir a diferença. Há um ano nunca tinha sequer pensado fazer carreira no estrangeiro, agora penso nisso. Fiquei deslumbrado com a qualidade de tudo no Brasil, com a preparação, o acompanhamento que temos – que vai de aulas de esgrima a seminários de história, os nossos figurinos foram feitos pela mesma equipa que faz os da “Guerra dos Tronos”… E os cenários! Neste caso não filmámos na cidade cenográfica, mas mesmo em fazendas no interior de São Paulo. Fazendas fabulosas, mas que foram mesmo de escravos. Muitas vezes cheguei aos cenários e senti-me emocionado, senti o espírito hostil que ali já se viveu.
Mas sentiu alguma espécie de carga negativa em relação a si por ser português?
Não. Eles têm um enorme carinho por nós. E admiração. E acham o nosso sotaque lindo e romântico, apesar de muitas vezes não nos perceberem. Receberam-me de braços abertos. Além de que, já fiz umas dez novelas em Portugal, mas nunca trabalhei num elenco tão coeso nem tão talentoso.
Teve de aprender o sotaque certo para ser entendido?
Tive de falar português de Portugal, mas com um ligeiro sotaque, porque senão eles não entendem mesmo. Todos os dias que estive no Brasil tive aulas de fonologia. O personagem tinha de falar com umas sílabas mais abertas, mais cantadas. Ao início foi um processo difícil, sobretudo no primeiro mês, mês e meio. Os diretores de projeto que já me conhecem dizem sempre que sou um daqueles atores que não me corre sangue nas veias, corre-me paixão, sou muito intenso. E por isso tenho de sentir que a técnica é uma aliada. Ia para as aulas e a minha professora, a Vanessa, dizia-me que tinha de fazer assim ou assado, mas eu sentia que isso não era orgânico. Precisei do tal mês e meio…
Mas originalmente tinha sotaque da Guarda?
Nunca tive. Nasci na Guarda, mas fui logo viver para o Fundão. E aos 17 anos vim para Lisboa. Tenho 30, tudo o que havia de sotaque para limpar, limpei há muito tempo.
Quanto tempo passou no Brasil para gravar esta “Escrava Mãe”?
Fui para lá em janeiro, fiz a apresentação à imprensa, voltei a Portugal e em fevereiro já estava de volta. Até abril tive coaching e em abril começámos as pré-gravações, que são uma espécie de testes de imagem. Mas mantive o coaching até ao fim, com aulas de esgrima, de capoeira, equitação, fonologia… E nos intervalos das gravações tinha sempre entrevistas e gravação de promos porque a novela foi vendida para todo o mundo. A estação organiza isso tudo muito bem.
Como se fosse propriedade da Record?
Completamente. É tudo sempre muito organizado. Já sabia que todos os dias, entre as 5 e as 6 da manhã, tinha o motorista para me apanhar, em São Paulo, onde vivia, e me levar para o estúdio ou para as fazendas, que era a cerca de uma hora ou uma hora e meia. Trabalhei muito, mas foi tudo sempre tão prazeroso e entusiasmante. No Brasil todos os dias senti vontade de dar o meu melhor. Até porque também senti que a equipa esperava isso de mim. Ninguém está ali a olhar para o relógio à espera da hora de ir para casa.
Não sobrou tempo para gozar o estilo de vida brasileiro?
Não. Mas não tenho pena disso. Lá vivemos muito a coisa da equipa, do viver naquela comunidade. Tinha muitas vezes os domingos livres e aí aproveitava para ir passear e conhecer São Paulo. Até porque sou arquiteto e São Paulo é uma cidade especial para os arquitetos. Mas ao final do dia já estava cheio de vontade que chegasse a segunda-feira para ir trabalhar.
Como se deu o processo de escolha para esta novela?
Um dia o meu telefone tocou. Isto começou há uns anos, nem sei bem quando. Acabei a Act, escola de atores, fiz umas coisinhas no cinema e comecei a ter umas experiências na televisão – fiz o “Diário de Sofia”, o “Tu e Eu”, a “Baía das Mulheres”. Entretanto fui chamado para fazer um casting maior e fui escolhido para fazer o protagonista dos “Morangos com Açúcar”, numa altura em que a série ainda era um fenómeno. A partir daqui fiquei sempre na TVI e para aí na minha quarta novela, um dia, o meu telefone tocou e era uma agente muito conhecida no Brasil, a Mariana Nogueira, que é agente da Paola Oliveira, da Juliana Paes, a perguntar-me se podia ter uma reunião comigo. Tinha arranjado o meu número a partir de um produtor. Ela estava em Lisboa e fui ter uma reunião com ela, eu era super miúdo, e ela disse que gostava muito do meu trabalho e que gostava que um dia eu pensasse em fazer carreira no Brasil. Fiquei super feliz, com o ego cheio. Mas no dia a seguir já nem me lembrava. Serviu para achar que estava a fazer as coisas direitinhas. Até que, este ano, o meu telefone tocou e era ela outra vez. Eu já estava escalado para fazer uma outra novela, a “Santa Bárbara”, e um dia, estava a sair do ginásio e o meu telefone toca de um número estrangeiro. Do outro lado estava alguém a dizer “Oi Pedro, tudo bom? É Mariana Nogueira, você lembra de mim?”. Ela disse-me que tinha acompanhado o meu trabalho nestes anos, falou-me de uma mega produção de época que a Record estava a preparar e disse-me que estavam à procura de um galã português entre os 22 e os 35 anos. E estavam a pensar em mim.
Assim, do nada?
Disse-me que a produção há um ano que andava a ver atores e que ficaram muito admirados com a minha última novela, que tinha sido “O Beijo do Escorpião”. Acharam a minha representação muito realista e natural, e portanto eu era uma opção que estava em cima da mesa.
Ficou histérico?
Não. Fiquei feliz, mas pensei que estaria eu em opção e mais uns 20 ou 30. Dois ou três dias depois o meu telefone volta a tocar, era a Mariana, a dizer-me que tinha sido escolhido. Isto sem nunca ter ido ao Brasil fazer testes. Tinha uma semana para responder.
Com quem falou?
Em primeiro lugar com os meus pais, que me apoiaram imenso. Depois com os meus agentes em Portugal e com a TVI. E disse que sim. Quando cheguei ao Brasil, à apresentação à imprensa, achei que seria uma coisa como em Portugal, mas de repente vejo uma passadeira vermelha e mais de 200 fotógrafos e jornalistas. Nem queria acreditar. Só aí comecei a perceber que aquilo seria uma coisa à grande. Aí comecei a ficar assustado e com medo. Mas também entusiasmado.
A pressão que sentiu era ainda maior por não estar no seu país?
Sim, ali estava completamente fora da minha zona de conforto, a todos os níveis. Não tinha a minha família, amigos, a minha casa, era protagonista de uma novela de época… Era tudo diferente. Apostaram mais em mim no Brasil do que aqui. Sou muito agradecido a Portugal, mas no Brasil apostaram em mim às cegas. Fala-se muito nisso, mas é verdade: parece que temos de sair do nosso país para nos darem mais valor cá. É pena que Portugal funcione assim. Se puder fazer carreira entre Portugal e Brasil não hesitarei.
Mas já tem mais propostas para o Brasil?
Enquanto novela estiver no ar, contratualmente, não posso fazer mais nada. Tenho de estar totalmente disponível para promover a novela. Nesse tempo vou andar muito entre os dois países. Foi isso que me permitiu entretanto já ter feito a peça “A Dama das Camélias” com a Sofia Alves e com o Ruy de Carvalho. É um clássico, com uma equipa muito boa e foi uma grande honra. Precisava mesmo de voltar aos palcos.
O que o faz dizer isso?
Quando se faz muita televisão cai-se no vício da velocidade e sou um ator que gosto de nunca perder a capacidade de encarar esta profissão como uma arte. Tenho de ser sempre muito verdadeiro naquilo que passo para o público e por vezes é preciso abrandar um pouco e investir em formação, regressar aos palcos, sem cortes nem repetições.
Falou da formação. É algo importante para si?
Gosto muito de estudar. Até coisas que não têm nada a ver com a minha profissão. Basta ver que sou licenciado em arquitetura. E no ano passado tirei um curso de avaliação imobiliária. São coisas de que gosto e que acho que me fazem crescer. Quanto mais mundo tiver, melhor ator serei.
Essa necessidade de fazer muita coisa, é um grilinho falante que lhe diz para investir noutras áreas não vá a representação correr mal?
A profissão de ator tem muitos altos e baixos. Acontece com todos os atores. Mas além disto, gosto de tudo o que tem a ver com arquitetura, decoração de interiores, imobiliário… Continuo a fazer os meus projetos de arquitetura em conjunto com uns amigos que têm um ateliê. Mas o que me alimenta mesmo é a representação. A arquitetura e o design são hobbies exigentes.
Disse que considera fundamental um ator ter mundo. Ter mundo não batia certo com o Fundão?
Não, de todo. Tenho muito orgulho nas minhas raízes. Mas quando lá vou é para estar com os meus pais e com o resto da família. É para sentir o quentinho do lar porque em Lisboa não tenho isso. Sou muito agarrado aos meus, mas o Fundão não era para mim. Desde criança que tive a visão que o Fundão era a minha casa, mas que o resto da vida estava fora dali. Sabia perfeitamente que, mal chegasse a altura da faculdade, sairíamos dali: a minha irmã foi para o Porto, eu e o meu irmão para Lisboa. E tenho muita sorte com os pais que tenho. O meu pai é gestor e a minha mãe é professora no ensino secundário. Sempre foram pessoas que, ainda que vivessem no Fundão, tinha vida fora dali.
Sempre assumiu à sua família que queria ser ator?
Não. Sempre foi um jogo aberto que queria ser artista, no sentido em que, desde criança, sempre desenhei. Para mim desenhar é como se fosse uma extensão da minha mão. A minha mãe diz que comecei a rabiscar ainda antes de falar. O meu irmão gémeo não tem nada a ver. Mas eu sempre desenhei. Nas minhas fotos de infância estava sempre a desenhar. Os meus pais sempre souberam que tinham um artista na família, eu recebia roupa e tinha sempre de alterar qualquer coisa. Acho que sempre pensei um pouco à frente, da minha idade e do fundão.
Mas quando pensou em ser ator?
Sempre gostei de teatro, cinema e novelas e via tudo desde criança. Dava por mim à mesa a imitar a forma como um ator que tivesse visto bebia café. Estava já a criar personagens.
E na escola era o miúdo cool que fazia imensas coisas ou o miúdo estranho?
Fui sempre o miúdo estranho, completamente à parte. Nunca fui o popular, ao contrário do meu irmão. Eu era o que observava e desenhava, que me dava com os mais velhos. Nunca sofri bullying mas também não me encaixava muito. Mas tive uma infância muito feliz, só que era diferente.
Mas ao mesmo tempo, noutras entrevistas, disse que era, juntamente com o seu irmão, um terrorista.
Completamente. Tínhamos muita imaginação. Assim que acabava a escola queríamos era andar na rua a inventar brincadeiras. Um dizia mata e o outro esfola. Fomos expulsos do colégio de freiras onde andávamos. Não fazíamos com maldade, mas éramos traquinas. E depois ficávamos de castigo. Só que, como ficávamos os dois juntos, até gostávamos.
Há uma história de um casamento que mostra bem o quão traquinas eram…
Isso foi uma tontice tão grande… Vivíamos no terceiro andar e tínhamos aquela coisa de putos parvos de gostarmos de ir à varanda fazer xixi. E ríamos muito porque sabíamos que era proibido. Um dia havia um casamento no restaurante do rés-do-chão e o pai da noiva era careca…
Crescer com um irmão gémeo muda muita coisa?
Na verdade não sei o que é não o ter. Tenho uma irmã mais velha que não é minha gémea mas como somos quase da mesma idade andávamos sempre os três até porque ela muito rapazinho. Sempre fomos muito cúmplices e ainda hoje existe isso. Somos muito diferentes em termos de personalidades, gostos pessoais e profissões. Mas temos coisas que nos completam muito. E sei que ninguém me conhece melhor do que o meu irmão gémeo. Nem precisamos de falar.
E ele já sentiu o peso de ser irmão gémeo de uma cara da televisão?
Ele às vezes passa momentos chatos. Hoje em dia estamos mais diferentes fisicamente e o público também já sabe que tenho um irmão gémeo, mas no início foi chato. Hoje em dia já brinca com isso, diz que é karma.
Como lidaram com uma fase em que aparecia muito em determinado tipo de imprensa com histórias de discussões e crises familiares?
Sempre vivi do meu trabalho e é disso que quero viver. Mas a determinada altura quiseram vasculhar a minha vida e isso até chegou a criar mal-estar entre nós porque inventavam muitas histórias. Eu era muito jovem e só queria que deixassem a minha vida e a minha família em paz.
Viveu na pele a consequência da histeria que esteve em redor dos “Morangos com Açúcar”?
Não fui vítima dos Morangos, tenho muito orgulho de os ter feito. Sou muito agradecido por terem olhado para mim, entre 400 miúdos, e terem apostado em mim. Serei eternamente fã do José Eduardo Moniz e da Gabriela Sobral. Agora que foi um boom louco, foi. Aquilo foi tudo novidade para mim, mas o facto de ter a família que tenho e de ter vindo de uma escola de atores, impediu-me de ficar deslumbrado.
Por muito que não se tenha deixado deslumbrar, é inegável que, de repente, era um miúdo com dinheiro e acesso a um mundo novo.
Sou muito caseiro, não sou nada de sair à noite. De resto nem se ganhava por aí além e eu venho de uma família que sempre me deu o que precisei.
A sua primeira escolha foi a arquitetura ou a representação?
Foi quase em simultâneo. Vim para Lisboa a achar que poderia fazer os dois cursos ao mesmo tempo. Mas sem avisar os meus pais de que essa era a minha intenção. Aliás, na altura isso não foi nada fácil. Eles preferiam que tivesse seguido medicina porque sempre tive médias muito altas. Mas depois apoiaram-me, sabiam que era meio artista. Talvez por isto, fiz questão de pagar o meu curso na Act. Aliás, consegui, durante três anos, ter uma bolsa de mérito em arquitetura, e o dinheiro que os meus pais gastariam na faculdade, foi para a escola de atores. Mas muitas vezes me apeteceu desistir porque tinha de estar sempre no topo, só que era mesmo o que eu queria.
Sentia a pressão de ser o melhor?
Tenho sempre a pressão de que tenho de ser o melhor. Não sou nada inseguro, mas sou muito perfeccionista. O bom nunca é suficiente para mim.
Depois de terminados os cursos, qual foi o primeiro trabalho que realmente o marcou?
Quando fiz os Morangos foi quando percebi que isto era mesmo a sério. No mesmo ano fiz uma peça muito grande no Dona Maria II, “Um Conto Americano – The Water Engine”, encenada pela Maria Emília Correia, e eu era o mais jovem da peça. Aí percebi que aquela era a minha profissão.
Apesar de, desde então, ter somado papéis, foi em “O Beijo do Escorpião”, onde deu vida a um homossexual, que voltou a dar nas vistas.
Antes disso, em “Remédio Santo”, sinto que tinha estado em grande destaque porque o meu personagem era apagado mas construi-o de uma forma ganhei muito protagonismo. E foi uma novela muito longa, 13 meses, ganhei dois prémios para melhor ator e a própria novela esteve nomeada para um Emmy. Agora, com o Beijo, foi um personagem muito arrojado e polémico. Era um casal de dois homens, mas queríamos mostrá-los com normalidade. Recebi mensagens do mundo inteiro sobre aquele papel. Há vídeos meus dessa novela com mais de meio milhão de visualizações.
Quando regressou ao Fundão, um meio mais pequeno, teve receio das reações?
Não. Gosto de fazer personagens que me testem como ator. Simplesmente, antes de aceitar, telefonei aos meus pais a informar e a minha avó, que tem 80 e tal anos, só disse: “Já fizeste um toxicodependente, um pastor e agora um homossexual. O que virá a seguir?” Mas não tive medo nenhum. Não confundo a minha vida com a vida dos personagens. Eu sou só o Pedro.