Orçamento sob fogo cerrado

Já na próxima semana, técnicos do FMI e da Comissão devem começar nova avaliação pós-programa. Dentro de um mês, é a vez de Centeno dar explicações ao Eurogrupo e discutir o já célebre plano B. Banco de Portugal junta-se a um já largo número de organismos que contestam previsões.

A um mês de um Eurogrupo decisivo onde serão discutidas eventuais sanções a Portugal e possíveis medidas adicionais para reduzir o défice deste ano, o quadro com que se confronta o ministro das Finanças não é o mais animador. A economia está a dar sinais de desaceleração, em grande parte devido a uma menor procura externa, e os pressupostos assumidos no Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) estão a ser postos em causa pela generalidade dos organismos nacionais e internacionais.

O Eurogrupo reúne a 11 de Julho e, uma vez que a Comissão Europeia decide uma semana antes se aplica sanções a Portugal e Espanha, é expectável que os ministros das Finanças da Zona Euro debatam a situação portuguesa.

Quando deu luz verde ao Orçamento do Estado português, em Março, o Eurogrupo impôs que o Governo começasse a estudar medidas adicionais de consolidação orçamental – o já célebre plano B – para implementar se a execução orçamental mostrasse desvios face ao OE2016.

Os dados até abril têm estado «em linha com o esperado», segundo o PS, mas a deterioração do ambiente económico externo está a fazer com que várias organizações temam derrapagens, devido a um menor crescimento económico do que o previsto no orçamento.

Esta semana, o Banco de Portugal (BdP) juntou-se ao coro de avisos. No Boletim Económico de Junho, o regulador considera que a meta do défice para este ano poderá implicar medidas adicionais, já que o crescimento económico está a abrandar e algumas propostas negociadas à esquerda na discussão no Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) têm um impacto incerto na despesa.

«Tal como sinalizado por diversas instituições internacionais, o cumprimento do objetivo de 2,2% para o défice orçamental em 2016 apresenta riscos», lê-se no documento.

PIB abranda

Para o BdP, a «incerteza associada» ao cenário macroeconómico é um principais pontos de interrogação. A organização dirigida por Carlos Costa reviu ontem em baixa as projeções de crescimento do PIB este ano, de 1,5% para 1,3%, quando elaborou o OE2016 com uma previsão de crescimento de 1,8%. Como menos atividade económica implica menos cobrança de impostos, o BdP teme que as previsões de receita do OE2016 podem ficar por atingir.

Além disso, o regulador manifesta também desconfiança sobre o impacto de algumas medidas do Orçamento do Estado. «Ainda se aguarda maior especificação sobre algumas medidas de consolidação orçamental apresentadas, nomeadamente as que se referem a poupanças nos ministérios setoriais e no consumo intermédio». Adicionalmente, diz o BdP, «existe alguma incerteza quanto ao impacto das alterações legislativas introduzidas no contexto da discussão do OE na Assembleia da República».

As reticências do Banco de Portugal juntam-se às de outros organismos nacionais e internacionais, como a OCDE. A organização considerou, há uma semana, que a dívida pública continua «elevada» e que pô-la num «caminho de declínio» poderá obrigar o Governo a «tomar mais medidas de consolidação orçamental».

FMI quer mais medidas

As posições do BdP e da OCDE, mas também da Unidade Técnica de Apoio Orçamental e do Conselho das Finanças Públicas, antecipam uma visita da troika com avaliações delicadas. Há um mês, o Fundo Monetário Internacional (FMI) indicou que estaria em Lisboa entre 15 e 29 de junho para a quarta avaliação à situação do país depois do fim do programa de assistência. Como estas missões são feitas em conjunto com a visista semestral da Comissão Europeia, as contas de Mário Centeno estarão sobre vigilância reforçada até ao Eurogrupo decisivo de julho.

Na terceira visita pós-programa, os técnicos de Washington antecipavam que o défice deste ano ficasse em 3,2% do PIB, em vez dos 2,6% indicados no esboço inicial do orçamento – a meta foi entretanto revista para 2,2%, depois de negociações com a Comissão.

Na altura, o FMI referia que as perspetivas de crescimento do país continuariam «condicionadas pelos elevados níveis de endividamento e os estrangulamentos estruturais» e que «a dívida pública elevada deixa pouca margem para flexibilização da orientação da política orçamental».

Nas contas públicas, a organização entendia que Portugal «precisa de consolidar o progresso alcançado na estabilização do nível da dívida pública nos últimos anos com o seu bem-sucedido ajustamento orçamental». Para o FMI, a continuação destes esforços «ajudará a manter a credibilidade conquistada a muito custo». E, embora elogiasse o «compromisso das autoridades com a consolidação orçamental de médio prazo», apontava para riscos na execução orçamental este ano, como os custos adicionais com a semana de trabalho de 35 horas.

Do lado da Comissão Europeia, são também públicas as divergências face às metas do Orçamento. As previsões de primavera divulgadas em maio suscitam dúvidas sobre o crescimento económico do país e as contas públicas em Portugal. A CE antevê que a meta de défice para este ano não seja cumprida pelo governo. O Orçamento do Estado prevê que o saldo orçamental atinja 2,2% do PIB, mas Bruxelas espera que este indicador fique em 2,7%.

Pressão na despesa

No défice estrutural – um indicador cada vez mais relevante em termos europeus, porque define o esforço de austeridade necessário para cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento –, as contas de Bruxelas e de Lisboa também não batem certo.

O governo prevê uma descida deste indicador em 0,3 pontos percentuais, mas a Comissão vê um agravamento de 0,2 pontos. Esta diferença representa cerca de 900 milhões de euros, e como Bruxelas indica que há um «volume limitado de medidas de consolidação orçamental».