Confesso: não vinha preparado para escrever uma epopeia e foi praticamente isso que tivemos pela frente, sobretudo na segunda parte do jogo quente, quente, da tórrida Lyon. Portugal conseguiu o apuramento como um dos melhores terceiros qualificados, algo muito pobre para quem chegou a França com tantas esperanças de ir muito longe neste Europeu.
Não vinha preparado para uma epopeia, mas também não estava (para já) preparado para um epitáfio. E ficámos entre um e outro com este empate, espectacular, sim senhores, mas mais uma vez frustrante para uma Selecção Nacional que deveria ter mostrado muito mais do que aquilo que mostrou até ao momento.
Portugal chegou às 18 horas da escaldante tarde de ontem a saber que o empate lhe garantiria o apuramento (Albânia e Turquia ficaram com 3 pontos mas com balanço negativo de menos 2 golos). Que Campeonato da Europa é este?, perguntamos todos, em que uma equipa pode passar à fase seguinte sem ganhar um único jogo? É verdade que a Itália conseguiu uma horrível proeza do género no Mundial de Espanha, em 1982, mas não esquecer que, nessa altura, a vitória valia apenas mais um ponto do que o empate e não dois como agora.
Seja como for, esperava-se que Fernando Santos não instruísse os seus pupilos para o tal empate apurador, até porque poderia arrastar um adversário terrível nos oitavos-de-final. Até certo ponto não o fez, embora tenha entrado com um conjunto mais conservador do que o apresentado face à Áustria, sem Quaresma e com João Mário, mais parecido com o onze que defrontou a Islândia, trocando Raphael Guerreiro por Eliseu.
Portugal manteve-se triste, amordaçado. Sempre, sempre à procura de Ronaldo e sem a alegria necessária para diversificar os movimentos de ataque de forma a pôr em sentido uma Hungria que, acontecesse o que acontecesse, já tinha garantia do apuramento. Golo sofrido, golo marcado, e nada de muito diferente do que foi a Selecção Nacional até aqui, embrulhada em equívocos, com muito pouco de equipa e com muito de confusão, principalmente na exasperante zona de um inoperante meio-campo.
Ronaldo finalmente!!!
A segunda parte foi um raio de sol na água fria de tanta mediocridade lusitana. Arrastada para um confronto que certamente não esperara, aberto e vibrante, de golpe e contra golpe, Portugal teve o mérito de agarrar a vida pelos cornos da desgraça, como diria Ary dos Santos, e atirar-se de mangas arregaçadas a uma batalha na qual se viu sempre em desvantagem.
Aí, sim: na vontade, na entrega, na gana, houve algo do portuguesinho valente que atravessa a obra do Eça, recusando aquele «spleen» em que caíra nos dois jogos anteriores. E houve, finalmente, Cristiano Ronaldo. Um golo sublime, de calcanhar, outro em potência de cabeça, ambos a responder a vantagens que a Hungria ia obtendo, talvez um pouco contra a verdade dos acontecimentos, mas quem sou eu para discutir nestas páginas a verdade dos acontecimentos?
Dois desvios em jogadores portugueses deram a Dzsudzsák, o «capitão» impronunciável, a alegria de dois golos. E parecia que mais uma vez a fortuna, ou o Destino, ou quem sabe a sorte, virara definitivamente as costas a Portugal como o tem feito tantas e tantas vezes ao longo da sua História. Mas havia outro «capitão», revoltado e insubmisso, vindo lá das Ilhas de Zarco para a batalha de Lyon. E subiu a pulso a corda grossa das contrariedades…
O Portugal-Hungria (ou Hungria-Portugal para respeitar a ordem da ficha do jogo) foi apaixonante. Pouco valia tomar notas numa direcção se, no minuto seguinte, estávamos perante a direcção contrária? Fernando Santos arriscou finalmente e não tinha outro remédio se não queria regressar a casa com os ombros pesados de uma responsabilidade que ninguém lhe pode retirar. Apesar de tudo o que aconteceu, e que todos vimos, de mais perto ou de mais longe, esta equipa de equipa tem pouco.
Depende da classe de Ronaldo e de Nani, e entra na vertigem de desacertos defensivos que estiveram à beira de ser fatais. As entradas de Renato Sanches e de Quaresma deram uma dinâmica que até aí Portugal não tinha tido, o que deve colocar agora problemas evidentes ao seleccionador de todas as esperanças. Por uma unha negra, graças ao regresso de Ronaldo, a «Equipa de Todos Nós», como lhe chamou Ricardo Ornellas, ainda não regressou ao país triste.
Mas continua cabisbaixa como se tivesse medo de ser feliz.