Portugal. A severa lição do mau aluno

Portugal veio para França com uma ambição desmedida mas não conseguiu, até agora, convencer ninguém de que pode ser um verdadeiro candidato a campeão da Europa. Trabalhos de casa malfeitos em muitas áreas mostram-nos uma equipa por vezes à beira do desespero.

Portugal. A severa lição do mau aluno

Chegado a França com uma mala de cartão cheia de sonhos, Portugal pode continuar a alimentá-los mas só se fincar bem os pés no chão. Não basta anunciar-se como candidato à final e, consequentemente, à vitória. Quem o faz e depois apresenta um futebol cheio de mediocridades que entram pelos olhos dentro como o sol bruto do meio-dia parece que não tem consciência das próprias limitações. E não tendo, não há forma de disfarçá-las.

Ponhamos o dedo na ferida ainda fresca e longe da cicatrização: é um Portugal tristonho e inconsequente este que disputou três jogos da fase de grupos contra três adversários nitidamente inferiores. Demasiados erros coletivos impedem que tire proveito de ter o melhor jogador do mundo, ou um dos dois melhores jogadores do mundo, se preferirem – seja como for, o melhor jogador ab ovo deste Campeonato da Europa.

Não é fácil entender, nem para mim nem para vocês, que têm a infinita paciência de me ler, como é que a equipa portuguesa se viu na contingência de ficar já de fora do Europeu, antes sequer de ter enfrentado seleções de nível superior. Já ontem, ao longo da crónica do jogo entre Portugal e Hungria, procurei apontar alguns dos erros em que labora o selecionador nacional, primeiro responsável não apenas pelo encher do balão das expectativas, como também pelo desenho tático de um conjunto quase sempre anárquico e dependente do brilho intermitente das suas maiores estrelas. Eles são vários, mas vamos ficar pelos mais evidentes. 

E o mais evidente da coleção é o da dinâmica do meio-campo, uma zona confusa onde Moutinho, William Carvalho (Danilo contra a Islândia e nos minutos finais contra a Hungria) e João Mário (não foi titular frente à Áustria) continuam a não fornecer “bolas redondas” a Ronaldo e a Nani. No jogo de quarta--feira foi mesmo Cristiano Ronaldo que a princípio sentiu necessidade de recuar bem mais do que é habitual para iniciar a fase de construção. Seria injusto deitar sobre essa zona da equipa todas as culpas sobre a mediocridade do futebol dos portugueses, mas não tenho dúvidas de que se encontra aí o possível ponto de viragem da seleção nacional. Veremos se existirão novas alterações no jogo de sábado, face à Croácia. Se Adrien (maior arrumação) ou Renato Sanches (maior entusiasmo e mais transporte de bola) terão a oportunidade de entrar como titulares. Que alguma coisa precisa de ser feita, disso não tenho a mais fina das dúvidas. Principalmente, agora que os jogos são de “mata-mata”, como dizia Scolari no seu curioso léxico gaúcho, e o derrotado se condena a regressar definitivamente a casa.

Tudo ainda pode ser o que não parece A verdade é que, como diria Sérgio Godinho, tudo ainda pode ser o que não parece. Durante vários momentos do jogo de quarta-feira, Portugal mostrou argumentos ofensivos para garantir que dificilmente não marcará frente aos croatas. O zero do confronto contra os austríacos alicerçou-se mais num exagero de lances desperdiçados do que propriamente numa total inoperância. Assim sendo, a seleção nacional tem a obrigação de acreditar na passagem aos quartos-de-final e de se agarrar a essa esperança com unhas e dentes. Mas tem igualmente de perceber a camisa-de-onze- -varas em que está metida e estudar devidamente um adversário poderoso e fortemente moralizado pela sua vitória contra a Espanha. 

A despeito do discurso teimoso sobre a força dos outros oponentes do grupo F trazido a público por Fernando Santos, há que convir que ninguém ficou convencido da bondade de tais afirmações. Repito mais uma vez que, para mim, o grupo de Portugal era o mais débil dos seis. E que nenhum dos adversários tinha a categoria da “equipa de todos nós”. Só que, como sempre, é preciso provar em campo a superioridade que se escreve em papel de jornal. E isso não foi Portugal capaz de fazer.
A forma como os portugueses gastaram os últimos minutos de jogo, a defender como podiam o apuramento (convencidos até ao golo serôdio da Islândia de que garantiriam o segundo lugar), demonstra um realismo assinalável. Ninguém quis voltar para casa antes de mostrar algo neste Europeu. Agora, a realidade é crua como um bife tártaro: cada passo ou é para a frente ou é na direção de ocidente, para o país que o mar não quer, como lhe chamou Ruy Belo.

Não há outra forma de encarar as coisas: fazer reset do que se passou até ao momento e atirarmo-nos ao Campeonato da Europa como se estivéssemos de novo na primeira jornada. Não por acaso, o “L’Équipe” de ontem trazia em manchete “La Fête Commence!”. A festa começa! E Portugal tem ainda lugar nela, embora se apresente como um dançarino desastrado, daqueles que pisam os calos das senhoras nos bailes dos Alunos de Apolo. Só que a atrapalhação não é razão para a falta de crença. Creiam, então! E arrastem convosco a crença de um povo desiludido e desconfiado. É a hora! É outra vez a hora! E se as oportunidades, por vezes, surgem de novo, refrescadas e motivantes, a vida não se repete. Pelo menos com a frequência que desejamos. O mau aluno vai de novo a exame. Pode ser que tenha estudado o que falta entretanto. Amanhã logo se vê!

Portugal na metade mais fácil

Se a queda para o terceiro lugar do grupo F teve algo de frustrante para os portugueses, sobretudo porque a Islândia marcou o seu golo em cima dos 90 minutos, tirando o segundo lugar à seleção nacional, também é um facto que os colocou na metade mais “acessível” deste Euro. Senão repare-se: os quartos-de-final e as meias-finais da outra “metade” serão disputados pelos vencedores do Alemanha-Eslováquia e Itália-Espanha e do França-Irlanda e Inglaterra-Islândia. Já do lado português, o vencedor do Croácia-Portugal vai defrontar o vencedor do Suíça-Polónia e o vencedor do País de Gales-Irlanda do Norte o vencedor do Hungria-Bélgica. Bem mais suave, não é, se pusermos as coisas nestes termos? E acrescentando que, muito provavelmente, o adversário mais difícil para os lusitanos é já o de sábado, a Croácia. A ter em conta o que pudemos ver até aqui. 

Os amigos de Arnason

Uma das frases mais brilhantes deste Europeu é de Kari Arnason, jogador da Islândia. Feliz pelo apuramento e por ir defrontar a Inglaterra, Arnason desabafou aos jornalistas: “Ter dez mil espetadores a apoiar-nos é algo de incrível! Conheço pelo menos 50% das pessoas que têm ido aos estádios e reconheço-os quando olho para as bancadas.” Vantagens de um país que só tem cerca de 300 mil habitantes.