António Domingues, o futuro presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) que entrará em funções até ao final deste mês, vai acumular o salário que irá ganhar no banco do Estado com a pensão do BPI, visto ter pedido a reforma antecipada. Uma situação que não está a cair bem junto dos sindicatos do setor ouvidos pelo SOL. Apesar de reconhecerem que é legal, admitem que «do ponto de vista moral poderá ser questionável».
O gestor trabalhou 27 anos no banco liderado por Fernando Ulrich e a instituição financeira aceitou que o ex-vice-presidente antecipasse em seis meses a reforma. Para quem tem mais de 16 anos de serviço e mais de 60 anos o benefício será de 100% do vencimento mensal fixo do mês anterior à data do pedido da reforma. António Domingues completa 60 anos em dezembro, o que justifica o pedido de antecipação da reforma.
Para o presidente do sindicato dos trabalhadores da CGD, João Lopes, trata-se de «uma questão ética e moral no mínimo duvidosa», apesar de reconhecer que é uma prática comum na banca portuguesa. «Isso tem a ver com o país que somos e com a forma como tudo isso é gerido, é de facto uma situação no mínimo imoral, mas a moralidade da banca e dos banqueiros sempre foi muito duvidosa», critica.
O sindicalista lembra, no entanto, que este não é um caso inédito e dá como exemplo a situação de António Vieira Monteiro que é atualmente presidente do Santander Totta, e que também acumula o salário com a reforma que é paga pela CGD.
«António Monteiro reformou-se como diretor da Caixa no dia em que saiu da administração e no dia a seguir entrou no Santander. A única diferença é receber a reforma de um banco público e foi para a concorrência, agora é o contrário», refere.
Ainda assim, o presidente do Sindicato dos Bancários Sul e Ilhas, Rui Riso, lembra que o fundo de pensões do BPI é privado, que funciona como uma espécie de Plano Poupança Reforma (PPR), além de não afetar as contas públicas. «Outra questão é saber se é muito dinheiro ou pouco dinheiro, se deve ou não deve receber esse valor. Podemos achar que é muito dinheiro e que é imoral, mas quem está a pagar esse fundo de pensões», salienta.
Salário deixa de ter limite
Mas a polémica em torno de António Domingues não termina aqui. Os novos gestores da CGD vão ter salários mais altos, depois de o Governo ter aprovado o fim do Estatuto de Gestor Público para a CGD.
Na altura em que a medida foi aprovada, tanto António Costa como Mário Centeno justificaram esta decisão com a necessidade dos órgãos sociais da CGD terem um tratamento em termos de remunerações e carreiras idêntico ao que vigora no setor privado.
A verdade é que este argumento não parece convencer o presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa promulgou, esta quinta-feira, o fim de tetos salariais, mas com algumas reservas e deixa um aviso claro: a equipa de António Domingues terá de justificar os aumentos com resultados positivos.
«Vencimentos mais elevados implicam acrescida responsabilidade pelos resultados», afirmou Marcelo Rebelo de Sousa na nota que acompanhou a promulgação das alterações ao estatuto do gestor público. E sublinha que o fim dos tetos salariais no banco foi apresentado pelo Governo como necessário para a entrada de funções de nova administração no final deste mês.
O que é certo é que o presidente tem demorado entre cinco e dez dias a promulgar os diplomas que chegam a Belém, mas no caso dos tetos salariais da CGD, Marcelo tinha a iniciativa do Executivo em análise há vinte dias.
O Estatuto do Gestor Público prevê que o salário de qualquer gestor não pode ser superior ao do primeiro-ministro, no entanto, estão previstas exceções quando se tratam, por exemplo, de empresas de serviços financeiros (como é o caso da CGD) ou quando a gestão está em comissão de serviço, onde o salário é equivalente à média dos últimos três anos.
A alteração na CGD vai ao encontro das recomendações do Banco Central Europeu (BCE), que considera que não deve haver diferença entre os salários dos diferentes administradores da Caixa e que deve ser eliminado o teto salarial.