O afecto de Marcelo já chegou a José Sócrates (a Passos Coelho é que nunca!)
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa continua imparável: ora está em França a apoiar os nossos jogadores na sua caminhada triunfal até à final do próximo domingo, ora está em Marrocos, ora está Matosinhos a inaugurar um novo centro pediátrico, ora está em Cascais a apoiar e a homenagear os Bombeiros Voluntários. Todas são iniciativas muito meritórias e que merecem a bênção presidencial. E o nosso Presidente – justamente eleito e popular junto dos portugueses – não se faz rogado: a todas dá a mesma atenção e importância.
Ontem, foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito do seu programa “ Portugal Próximo” que se realiza, desta feita, em Trás-os-Montes, inaugurar, em Sabrosa, a Biblioteca em homenagem ao ilustre poeta Miguel Torga. É mais uma justa homenagem a uma figura ímpar da cultura portuguesa, cujos poemas fazem parte das melhores horas da nossa infância e adolescência. O Presidente da República Marcelo abrilhantou, deu dignidade institucional à tão honrosa iniciativa. Mais um gesto afectuoso de Marcelo, o Presidente dos afectos. Um Presidente à altura das exigências dos tempos que vivemos (até ao momento).
Não foi, porém, apenas a comunidade de Sabrosa e o Espaço Miguel Torga que ficaram credoras do afecto presidencial – uma outra personalidade esteva desejosa de sentir o lado afectivo de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma personalidade que dá pelo nome de José Sócrates, antigo Primeiro-Ministro da República Portuguesa, afastado na sequência do pedido de resgate financeiro feito por Portugal às entidades internacionais que formariam a nossa bem conhecida “troika” ou triunvirato. E será que Marcelo Rebelo de Sousa, com a sua subtileza habitual, com o seu “jogo de cintura” inigualável, conseguiu desembaraçar-se da espinhosa tarefa de espalhar a sua afectividade também ao ex-Primeiro-Ministro a contas com a Justiça por actos praticados no exercício das suas funções? Não, nada disso.
Ao contrário de António Costa (que na inauguração do Túnel do Marão ignorou simpaticamente José Sócrates, recusando-se a tirar fotografias com o anterior Primeiro-Ministro socialista e de quem foi braço-direito), Marcelo Rebelo de Sousa dirigiu-se com firmeza e segurança a José Sócrates, cumprimentando-o efusivamente. E claro que aproveitou a ocasião para agradecer o seu contributo muito relevante para a construção do Espaço Miguel Torga, frisando em pleno diálogo com José Sócrates, que é muito merecido este elogio. Mais: o Presidente não pode ser sectário, devendo elogiar quem merece. O Presidente da autarquia de Sabrosa mereceu também o elogio afectuoso de Marcelo pela coragem em reconhecer o mérito de José Sócrates. É a cooperação estratégia a funcionar: o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa fez o que nem António Costa se atreveu a fazer – elogiar largamente e abraçar em frente às televisões José Sócrates. É (mais) um sinal dos tempos…
Evidentemente, as redes sociais aproveitaram o facto para se exaltarem. Muitos exprimiram a sua indignação por este gesto de Marcelo Rebelo de Sousa, que poderia ser lido como uma afronta à Justiça (especialmente pelo timing: a defesa de José Sócrates voltou ontem a pedir a exclusão do juiz Carlos Alexandre do processo…) e como uma legitimação presidencial (de alguém da área do PSD) das opções políticas dos Governos de Sócrates. Desde algum PS até ao CDS, passando pelo PSD, gerou-se um eco de indignação difuso pelas redes sociais contra Marcelo Rebelo de Sousa.
O que dizer? Enfim, o Presidente da República é o Presidente de todos os portugueses – e Presidente da República de Portugal. Ora, Portugal tem um presente, terá um futuro – mas também teve um passado. E, por muito que gostemos ou odiemos ou não consigamos sequer perceber, José Sócrates exerceu durante seis anos as funções de Primeiro-Ministro. Sócrates faz parte da nossa História colectiva; não podemos, pois, apagar os anos 2005-2011.
Além disso, José Sócrates é um cidadão, na plenitude dos seus direitos. E mantém – independentemente de condenação ou absolvição – a sua dignidade enquanto pessoa e enquanto português. Portanto, Marcelo pode (e deve) cumprimentar José Sócrates – que é presumivelmente inocente, até prova em contrário – como cumprimenta todos os portugueses. Caso contrário, José Sócrates poderia apresentar um novo recurso judicial em que alegaria a violação do princípio da igualdade por ficar excluído da onda de afectos marcelista! Se Marcelo quer cumprimentar José Sócrates, Marcelo que cumprimente José Sócrates.
Dito isto, não podemos, todavia, deixar de notar que, na hierarquia do juízo político marcelista, José Sócrates está acima de Passos Coelho. Que é dizer, que Marcelo Rebelo de Sousa faz um juízo político do Governo de José Sócrates mais favorável do que aquele que faz em relação ao Governo de Pedro Passos Coelho. Isto porque quando Marcelo vê José Sócrates, dirige-se efusivamente para lhe dar um abraço afectuoso a agradecer o trabalho desenvolvido – já quando vê Pedro Passos Coelho, Marcelo entra em pânico para não aparecer nas televisões junto do ex-Primeiro-Ministro do seu partido e foge discretamente. Agora, tudo isto são opções políticas legítimas do Presidente da República Marcelo…
Percebe-se a intenção de Marcelo: conquistar o PS, visando uma futura reeleição. Ou, pelo menos, não fechar já a porta a um apoio do PS à sua candidatura. Mas – que diabo! – quando a esmola é tão grande, o pobre não desconfia? Ou melhor, quando os elogios são excessivamente grandes, o PS não desconfia? Palpita-nos que desconfia…
joaolemosesteves@gmail.com