Ainda antes de se concumar o processo de redução drástica de efetivos norte-americanos na base das Lajes, no início do ano passado, já a população local sentia na pele os problemas que se iam agigantando perante as famílias da Praia da Vitória, o município onde se situa a base mais internacional do país, na Ilha Terceira. Mas estava-se longe de imaginar o peso económico e sobretudo social dessa fatura.
Os cerca de mil funcionários que trabalhavam diretamente no local foram, ainda assim, os que tiveram mais sorte: as indemnizações e reformas antecipadas foram pagas e são, segundo fontes ouvidas pelo SOL, mais do que suficientes para dar estabilidade aos antigos trabalhadores. Mas passado um ano há outra realidade para contar: em Praia da Vitória, havia mais de 1.500 postos de trabalho indiretos e negócios montados para um mercado que deixou de existir. «Está tudo às moscas», é a expressão mais usada por empresários contactados pelo SOL, um dos quais em falência.
Mais de 20% de desemprego
Estima-se que, neste momento, o desemprego na Terceira ande na ordem dos 20 a 22%, mas os números poderão ser piores em Praia da Vitória. «Mesmo com todos os programas de emprego temporário criados pelo Governo Regional dos Açores e apoiados pelo município e pelas juntas de freguesia, o desemprego não para de aumentar», conta o presidente da Câmara, Roberto Monteiro.
A história de Maria Cunha, 46 anos, é talvez a que melhor resuma o que se passa neste momento na Praia da Vitória. Quando, no início do ano passado, o processo downsizing da base foi consumado, as duas empresas que Maria detinha com o marido – uma ligada ao ramo automóvel e a outra à construção civil – já tinham encerrado. Dezassete pessoas foram para a rua, incluindo o casal: «Felizmente eles conseguiram ter direito ao subsídio de desemprego, eu e o meu marido, como donos, e por causa da antiga lei, não tivemos direito».
Com duas filhas em idade escolar, sabe que há gente ainda pior. Mas assume que vivem uma situação «dificílima»: «Nunca esperei que isto fosse acontecer. A presença americana na base das Lajes criou muito emprego à volta, como no nosso caso. E também muita economia paralela, gente que fazia babysitting ou cortava a relva e que recebia sem contrato, por isso é quase impossível quantificar o impacto real desta saída».
Casas vazias, restaurantesàs moscas e empresas falidas
Após a falência das empresas, o marido começou a trabalhar na construção civil e Maria frequenta um dos programas de emprego temporário promovido pelo Governo Regional dos Açores: «Ficámos com um carro, que dividimos, e ainda conseguimos pagar a hipoteca e comer».
Habituada ao trabalho, Maria diz que a solução não pode passar pela promoção eterna deste tipo de programas: «A economia não se recupera assim. É preciso voltar a gerar emprego, era preciso deslocar para aqui uma indústria que desse 500 empregos, era preciso uma medida mais drástica». Conhece gente que já entregou a casa ao banco e diz que a emigração, realidade que não tinha ainda apanhado a sua geração, começa a ouvir-se falar pelos cafés: «Estou desapontada, tenho que confessar. Esperava que um governo socialista olhasse mais por nós, já passaram meses e nada muda».
Há quem defenda, porém, outras soluções. Para Luciano, 50 anos, dono do restaurante La Barca, a cerca de dois quilómetros do centro da cidade, a nova vida económica de Praia da Vitória tem de passar pelo turismo: «No ano passado, começou a haver viagens low cost para São Miguel, para onde se vai com 50 euros. O bilhete para a Terceira chega a custar 600. Ninguém vem passar férias aqui».
Com a debandada dos melhores clientes, os militares da base das Lajes, o La Barca serve menos 60% de refeições: «Há uns anos tínhamos 13 funcionários, agora só cinco». O La Barca está aberto desde a viragem do século, quando Luciano trocou o sonho americano por este sonho na ilha que o viu nascer há 50 anos. «Estava emigrado há 32 anos no Canadá (era empresário), quando em 1999 vim cá passar férias. Apaixonei-me de novo pela Terceira e decidi abrir o restaurante». Teve sempre casa cheia: «Fiz este espaço a pensar nos cerca de dois mil americanos que viviam aqui, escolhi um tipo de cozinha que eles gostavam, italiana e também portuguesa, e sempre funcionou. Nunca pensei que isto pudesse acontecer». Admite que fechar as portas é uma hipótese. «Já sou cozinheiro, gerente do espaço e às vezes já tenho que passar a vassoura no chão», lamenta.
O dono da empresa de investimentos imobiliários Macaris, que prefere não dar o nome, tem uma história semelhante. «Em 2010, a minha empresa construiu quatro casas para arrendar a norte-americanos, com rendas muito boas, de cerca de mil euros. Foi um investimento da empresa, pensado para ser pago em 20 anos e gerido à volta dessa expectativa. A redução da base virou tudo ao contrário». Os imóveis estiveram arrendados aos inquilinos americanos até ao ano passado.
‘Trabalhadores indiretos’ são os mais prejudicados
«Há uma coisa que tem que ficar bem clara. Os americanos vinham aqui para a base porque havia casas que cumpriam o que eles pediam: eles exigiam casas de luxo segundo os nossos padrões. E desenvolveu-se aqui este mercado de arrendamentos, nomeadamente no Porto Martins», explica o mesmo empresário.
As casas tinham que ser modernas, com ar condicionado e vidro duplo. «Foi bom também para a indústria da construção. Além disso, todos os anos havia serviço de manutenção dos imóveis».
Entretanto, muita gente já entregou as casas aos bancos por não conseguir pagar os empréstimos. «Estes negócios também deveriam estar no acordo de downsizing de saída dos americanos. Atenção que eles são gente séria e bons pagadores, mas os governantes têm de saber negociar e compensar quem investiu por causa de uma base que era do interesse nacional. Este imobiliário era necessário para eles ficarem na ilha», diz o mesmo empresário ao SOL. «Esta é a realidade que está a ser mal explicada sobre a redução da base das Lajes: é que os ‘trabalhadores indiretos’ são as pessoas mais prejudicadas com esta saída», remata.