Banca é a próxima bomba a rebentar na Europa, mas Centeno dedica-lhe uma linha

O que explica que o ministro das Finanças não se alongue na questão do malparado na banca portuguesa? 

Os alertas não param de surgir. Nas últimas semanas, o FMI identificou o Deutsche Bank como o “maior risco” à estabilidade financeira mundial, a Reserva Federal Americana chumbou o banco alemão nos testes de stress e surgem agora notícias de que Itália tem mais de 200 mil milhões de euros de crédito malparado na banca. Mas em Portugal o tema do banco mau parece ter saído do radar.

No relatório anexo à carta que Mário Centeno enviou à Comissão Europeia para tentar que as sanções a Portugal sejam zero, não há nenhuma referência explícita à criação de um veículo para as imparidades bancárias.

Quase no final do documento, o ministro das Finanças faz apenas uma referência breve ao tema. Em pouco mais que uma linha, Centeno defende que “um programa para a redução do malparado na banca é essencial para resolver o montante considerável de imparidades que se acumulam nas contas dos bancos”.

Centeno não faz qualquer referência ao montante que pode estar em causa, limitando-se a descrevê-lo como “considerável” nem avança com uma solução para o problema, referindo-se apenas a um “programa” mas sem especificar em que moldes poderia concretizar-se.

Apesar disso, Mário Centeno é claro ao apontar a estabilidade do setor financeiro como um dos principais objetivos do Governo. De resto, o governante sublinha a importância da operação de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos – considerando que pode ter impactos positivos de tipo “spillovers” para todo o sistema bancário nacional – e mostra-se preocupado com a venda do Novo Banco, admitindo que deverá ser feita por um preço muito reduzido.

O alerta vermelho que vem de Itália

Então o que explica que o ministro das Finanças não se alongue na questão do malparado na banca portuguesa? Há uma explicação possível que é avançada em meios políticos próximos do Governo: a ameaça que paira sobre toda a banca europeia é de dimensão suficiente para aconselhar a uma resposta global para o espaço da zona euro, pelo que não fará sentido ser António Costa a avançar com a discussão centrando o problema em Portugal.

Na verdade, tem sido o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi a trazer o tema das imparidades para a discussão europeia. Há semanas que Renzi negoceia com a Comissão Europeia o resgate dos bancos italianos com dinheiro dos contribuintes.

O problema é que nos jornais internacionais se tem avançado com um valor total de imparidades na banca italiana que estará entre os 200 mil milhões de euros e os 360 mil milhões de euros. Um valor extraordinariamente alto (superior ao PIB nacional, que está em cerca de 180 mil milhões de euros). Os dados são calculados com base em números da Autoridade Bancária Europeia, mas ninguém ousa apostar ao certo no valor a que chegará o malparado italiano.

Em qualquer dos casos, o valor é muito alto e o Governo italiano tem tentado conseguir um resgate junto de Bruxelas, contrariando regras recentemente adotadas na Europa segundo as quais as perdas dos bancos devem ser suportadas em primeiro lugar pelos acionistas e obrigacionistas júnior e depois pelos depositantes com valor de até cem mil euros nas contas, sendo o dinheiro dos contribuintes o último recurso possível.

Matteo Renzi tem, contudo, argumentado que o Brexit faz com que seja mais aconselhável avançar com um resgate do que pôr em causa investidores privados numa altura de grande instabilidade e incerteza. Do seu lado, tem um aliado de peso o Deutsche Bank cujo economista chefe já admitiu publicamente a necessidade de um resgate europeu de larga escala aos bancos com um montante que estimou em 150 mil milhões de euros.

No meio destes números, os valores de que se chegou a falar em Portugal – chegou a falar-se em imparidades no valor de 20 a 50 mil milhões de euros – o caso português parece uma gota no oceano em que a banca europeia parece estar prestes a afundar-se, pelo que talvez assim se perceba a estratégia de Costa e Centeno de ter deixado de falar publicamente na hipótese da criação de um banco mau e de nem sequer desenvolverem muito o tema na carta enviada hoje à Comissão Europeia.