O grupo junta-se aos poucos à porta da escola. Acabam de sair do exame de História A, segunda fase, e trazem o enunciado na mão. Ao longo de 16 páginas, há perguntas sobre o «país urbano e concelhio nos séculos XIII e XIV», «Portugal e o império colonial nas primeiras décadas do século XIX» ou sobre a «ideologia soviética e a guerra fria».
Os colegas de turma riem-se, verificam os telemóveis. Trocam-se algumas ideias sobre a prova: muita escolha múltipla («corre-me sempre mal») ou perguntas que não servem para nada («a meter o IRS não nos ensinam»). «Estes exames só me f*», atira uma rapariga que chega um pouco mais tarde. O discurso contrasta com o tom académico da prova, mas reflete o espírito coletivo. «Esperança temos, só não conseguimos fazer nada», atiram.
Estamos à porta do Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Em alguns minutos juntam-se oito colegas da mesma turma do 12º ano do curso humanístico. A hipótese de entrarem na faculdade este ano está afastada, a menos que tenham boas notas ou vão para o privado. Quantos da turma seguirão para o ensino superior? «Só se for a Sara», respondem, despachados. São 30 na turma. Os que precisam das notas para concluir o secundário, regressam ao liceu no próximo ano. Os que já terminaram, vão trabalhar e alguns até já o fazem.
Podiam ser exceção, mas não será bem assim. A primeira fase de candidaturas ao ensino superior arrancou esta semana. Há 50 668 vagas, mais 133 do que no ano passado. No primeiro dia foram apresentadas 10 047 candidaturas, mais 894 do que há um ano.
Apesar de o número de candidatos ter aumentado nos últimos anos, dados da Direção-Geral de Estatística da Educação e Ciência revelam que ainda só seis em cada dez alunos (62,8%) que terminam o secundário continuam estudos. Os números resultam de um inquérito feito em 2014 a alunos que concluíram o 12.º ano no ano letivo 2012/2013. Entre os que fizeram o ensino regular, os chamados cursos científicos e humanísticos, a continuação dos estudos é muito maior (84% continuam, dos quais 80% para o ensino superior). A média é reduzida pelos cursos profissionais: terminado o 12.º ano, só 18% continuam a estudar, a maioria em cursos de especialização tecnológica.
Desmotivados com o futuro Filipa é uma das raparigas do grupo à porta do liceu. Tem 17 anos e queria ir para Relações Internacionais. Admite que está ali porque não estudou, mas há outras justificações. «Como vamos estudar os módulos dos três anos do secundário? Não dá. Deviam dar orientações mais precisas». Se há um mea culpa a fazer, há também críticas ao ensino. «Temos cinco disciplinas no 12º e deram-nos um horário com aulas ao início da manhã e depois do almoço. São horas em que não ficamos a fazer nada e aumentam as faltas à tarde».
A escola não os prende e a faculdade também tem cada vez menos força, argumentam. «Tanto quem tem curso como quem não tem está no desemprego. A certa altura uma pessoa começa a pensar se vai gastar propinas para nada. Não é estagnar? Gastamos dinheiro, saímos mais tarde de casa dos pais», diz Bárbara, que sabe que sem estudos não é muito melhor: é viver com o ordenado mínimo.
Por agora, como não sabe que curso quer tirar, se conseguir acabar o secundário vai fazer uma formação em estética. Pedro quer tirar psicologia criminal, mas também está pendurado nas ‘negas’. Carolina precisa de um 18 a História para entrar em Relações Internacionais. «Possível é sempre, mas não vai acontecer». Vamos para o «13.º ano», brinca um dos rapazes do grupo.
Claro que também há bons alunos no liceu, mas a professora Ana Gonçalves, de História de Arte, sublinha que as escolas são «barómetros da sociedade». E, nesta sociedade, tem-se acentuado «o desprezo pelo saber» enquanto aumentam as solicitações dos jovens, o que se reflete em resultados periclitantes, explica. Provas cheias de matéria, resultado de metas curriculares difíceis de gerir para os professores, acabam por ser uma ilusão, refere a professora, que defende que a preocupação deveria ser ensinar os jovens a pensar e ir-lhes explicando o que eles não sabem em vez de sobrepor matéria a matéria. A esta bola de neve junta-se desilusão crescente dos jovens com a constatação de que os estudos não garantem futuro. Ana admite que a situação tem piorado e merecia reflexão. Um recomeço na forma de ensinar, diz.
Joana e Jéssica são duas boas alunas: querem ir para a faculdade e têm notas para isso. Mas nem por isso deixam de concordar com a análise dos colegas. Joana optou por Medicina Tradicional Chinesa e diz que, apesar de ser numa escola privada, para si as notas sempre pesaram, até por uma «questão de orgulho». Mas falta mais orientação em todo o processo de escolha e candidatura ao ensino superior. Além de maior aposta nos jovens: «O pensamento dominante é esse: investir nas propinas, para quê? Mesmo sendo boa aluna, às vezes sinto que ando aqui a esforçar-me um bocadinho para ter sorte. Porque é muito uma questão de sorte».
A organização escolar é outro problema. «Fui para um curso profissional porque tinha a ideia de ser atriz, mas muitos são empurrados para esses cursos porque eram preocupantes no básico. As turmas ficam cheias de pessoas com notas fracas e a querer acabar o mais depressa possível, o que não motiva ninguém». Jéssica, de 17 anos, também sentiu dificuldades no curso profissional de artes e espetáculo, mas respondeu com empenho. A exigência que impôs a si própria foi tanta que acabou por afetá-la. Problemas de ansiedade fizeram com que tivesse de repetir o exame de português e agora pensa fazer um ano gap antes de se candidatar ao ensino superior.
«A força tem de vir de nós. Acho que em alguns casos as médias são muito altas, mas noutros são baixas. Alguma coisa tem de mudar. No meu caso, para entrar na Escola Superior de Teatro e Cinema a media é 10, até dá ideia de ser um curso menos rígido».
Contas até ao último instante À porta da secundária Virgílio Ferreira, em Benfica, alunos do 11.º ano saem da segunda fase do exame de Física e Química. Começa aqui o stress: as notas dos exames do 11.º ano, em alguns casos, já contarão no ingresso na faculdade. Marta é da secundária D. Pedro V mas veio ter com os amigos. Quer ir para psicologia e está com média de 13: para conseguir 14,5 e entrar no curso que quer vai ter de se esforçar. Diana tem média de 13 e quer ir para geologia. «O nosso futuro resume-se a números», diz.
Tal como os colegas do Liceu Passos Manuel, sentem que, chegados praticamente ao final do secundário, falta acompanhamento. As provas de ingresso têm pesos diferentes consoante os cursos, dá para anular disciplinas e tentar a sorte só nos exames, é preciso pesar todas as décimas e começar a fazê-lo cedo, para aumentar as probabilidades de sucesso. Decisões atrás de decisões e a secretaria nem sempre dá conta de tudo, dizem. «Tenho a sorte de o meu pai me fazer as médias».
Todos reconhecem a desilusão com o ensino superior, mas, para quem tem um plano definido, é mais seguro do que não continuar, frisam. É o que mostra o inquérito da DGEEC, o principal motivo para prosseguir estudos é melhorar a possibilidade de encontrar um emprego, um pouco à frente do argumento de poder exercer a profissão desejada.
A questão passa, contudo, por saber o que se deseja e poder chegar lá. «Limitam-nos um bocado porque não temos notas nem vontade agora que precisamos das médias para entrar mas depois até podíamos ser muito bons», diz Filipa. Joana deixa uma ideia prática: «o apoio vocacional não devia ser só no 9.º ano mas manter-se ao longo de todo o secundário».
Claro que há sempre os muito bons. Marta fala do primo Miguel, que vive em Ponte de Lima. Telefonamos-lhe: terminou com média 17,8 e quer ir para matemática. Com o 19,2 que teve no exame, vai concorrer com 18,5 à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O segredo para os bons resultados? Atenção nas aulas, resume. Saber que isso é preciso e resistir às distrações.
Miguel admite que o desemprego assusta, mas estudar é o melhor caminho. Onde se veem todos daqui a dez anos? As respostas espelham a capacidade de acreditar e de fazer por isso. Estará tudo ligado. «No Pingo Doce ou no McDonald’s», brinca o grupo do 12.º. Ou fora de Portugal. «Quero estar no Havai, num vulcão», sorri Diana. Segue as pisadas de um tio e as referências familiares são importantes. Marta quer ter o seu consultório. Miguel quer ser professor universitário e fazer investigação. Apesar de a luta pelo sonho de atriz durante o secundário a ter fragilizado, Jéssica é a mais forte nas palavras. «Daqui a dez anos imagino me num teatro a representar. Se calhar já com um filho, pequeno. Sei que vou ser feliz se conseguir».