Em maio, Correia de Campos usava o jornal Ação Socialista para arrasar a política de Saúde do Governo de António Costa. «Não me venham dizer que não há dinheiro. Pois não, sabemo-lo. Mas há prioridades. E se não pudermos colocar o SNS no topo da respetiva lista será melhor deixarmos de lhe cantar hossanas», escrevia na altura o ex-ministro da Saúde António Guterres e José Sócrates, que não poupava nas farpas à forma como tinha sido feito o Orçamento de 2016.
Correia de Campos não teme ser polémico e foi muitas vezes contundente nas suas intervenções como ministro e como deputado. E isso, apontam fontes parlamentares, pode ajudar a explicar por que motivo ficou, esta quarta-feira, a 45 votos da votação mínima para ser eleito presidente do Conselho Económico e Social (CES) apesar do acordo que tinha sido firmado uma semana antes entre PS e PSD para a sua eleição.
«É uma pessoa que tem muitos anticorpos no Parlamento e não é só no PSD», aponta ao SOL um membro da direção da bancada social-democrata, para tentar justificar o facto de o acordo entre Carlos César e Luís Montenegro em torno do nome de Campos Correia não ter sido suficiente para para que fosse eleito.
Fontes da bancada parlamentar do PSD ouvidas pelo SOL asseguram que pelo menos 30 sociais-democratas votaram segundo a indicação de Luís Montenegro. «Como o voto é secreto, é difícil saber o que aconteceu ao certo. Mas pelas nossas contas pelo menos 30 respeitaram o que ficou acordado», assegura uma fonte social-democrata, admitindo que «houve quem não respeitasse o acordo», mas rejeitando que as culpas fiquem todas para o PSD.
«Se em 230 deputados votaram 221 e só 105 desses votaram em Correia de Campos, parece claro que a votação falhou também no PS, no PCP e no BE. É preciso não esquecer que o BE tinha feito um acordo com o PS para indicar um nome para o Tribunal Constitucional, pelo que era lógico que ajudassem a eleger o CES», argumenta a mesma fonte.
No PS admite-se que Correia de Campos fez inimizades à esquerda graças à sua política de encerramento de urgências como ministro da Saúde e à forma por vezes «agressiva» com que intervinha no plenário. Tudo somado, não se rejeita por completo que alguns socialistas possam ter falhado o apoio. De resto, houve até quem faltasse à votação, como noticiou o Público, que revelou que a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, não votou por ter pensado que a votação decorria até às 16h30, quando ela acabou meia hora antes.
Seja como for, no PS não há grandes dúvidas de que foi o PSD quem falhou o acordado. «Há partidos que dão valor aos seus compromissos, há pessoas que honram a sua palavra. Não foi o caso. Nem é o caso do PSD», reagia o líder parlamentar socialista logo no final do plenário de quarta-feira, acusando os sociais-democratas de «falha grave» e deixando no ar a ideia de que o facto de o PSD não ter honrado o que estava acordado põe em causa tudo que tinha ficado estabelecido entre os dois partidos.
Provedor de Justiça em causa
Carlos César não quis dizê-lo preto no branco, mas afirmou que no início da próxima sessão legislativa os socialistas anunciarão a sua posição sobre esta «e outras eleições». Ou seja, no que toca ao PS volta tudo à estaca zero e os sociais-democratas podem deixar de dar como garantido que indicarão o nome do provedor de Justiça – como tinha ficado acordado como moeda de troca pelo apoio ao nome de Correia de Campos – uma vez que não cumpriram o acordo com os socialistas.
Este desfecho depois de meses de negociações tensas entre PS e PSD para conseguir acertar os nomes para os vários órgãos que necessitam de uma maioria de dois terços na Assembleia da República para serem eleitos, fez com que voltasse a ideia de que ainda não está sarada a crispação política desencadeada pela solução governativa à esquerda.
«A não eleição de Correia de Campos (a quem presto a minha homenagem) para a presidência do Conselho Económico e Social trouxe para o debate vários assuntos. Um desses assuntos é posto, por alguns, do seguinte modo: como vai o PS fazer acordos com o PSD, se este PSD é um coio de mentirosos? Ou, noutra versão: isto significa que faliu o pântano dos negócios do Bloco Central», escreveu Porfírio Silva na sua página de Facebook, explicando discordar «frontalmente desta abordagem, por achá-la perigosa para a democracia».
O dirigente socialista está contra a forma como alguns aproveitaram o episódio para pôr em causa o método de eleição por dois terços dos deputados. «Esta ideia de que a maioria do momento não pode decidir tudo sozinha, precisando de parte da oposição para isso, é uma ideia com mérito. É a mesma ideia que faz com que sejam precisos dois terços para mudar a Constituição», explica Porfírio, defendendo que este mecanismo de eleição não é «uma negociata à la Bloco Central».
Candidato em silêncio
Seja como for, não é claro o que acontecerá em setembro quando os trabalhos parlamentares forem retomados e voltar a pôr-se a questão de encontrar um novo presidente para o CES.
Várias fontes parlamentares falam em «humilhação» e admitem a hipótese de Correia de Campos não querer submeter-se a uma nova votação. Se isso acontecer, Carlos César e Luís Montenegro terão de voltar a sentar-se à mesa para concordar num nome. Mas, para já, Montenegro assegura que no que toca ao PSD vale o que ficou acordado, caso Correia de Campos aceite voltar a ser candidato.
«Mantemos os termos do que acordámos», assegurou já o líder da bancada social-democrata, garantido que o PSD «redobrará esforços» no sentido de convencer os deputados sociais-democratas a honrar esse compromisso viabilizando a eleição do nome proposto pelo PS.
Correia de Campos é que até agora não se quis pronunciar sobre o sucedido nem explicar se continua disponível.