O Governo recebeu orientações do Banco Central Europeu (BCE) para evitar conflitos de interesse na nomeação de uma nova administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD). E há pelo menos um nome na equipa em que esta questão se coloca: Bernardo Trindade, o antigo secretário de Estado do Turismo que foi convidado para administrador não executivo. É gestor na empresa Porto Bay e este grupo hoteleiro trabalha com o banco público.
A informação foi recolhida pelo SOL através da Informa D&B, uma plataforma que congrega dados financeiros e jurídicos sobre as empresas do país. Reúne dados sobre a contabilidade dos grupos, os atos legais depositados nas conservatórias e as ligações empresariais, com indicações sobre bancos e seguradoras com que as empresas trabalham.
No caso da empresa Porto Bay Hotéis & Resorts SA, onde Bernardo Trindade é vogal da administração e o pai, António Trindade, é presidente, são indicados quatro bancos com os quais o grupo trabalha: Novo Banco, BPI, Santander Totta e CGD. O relatório não especifica quais as relações comerciais ou creditícias estabelecidas entre o grupo e a instituição financeira. O SOL questionou o grupo sobre a relação entre o Porto Bay e a CGD, mas não obteve resposta.
Bernardo Trindade foi convidado para administrador não executivo do banco público, que vai ser presidido por António Domingues. Os outros nomes já conhecidos são Pedro Norton, que saiu no início do ano da Impresa, Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, e Carlos Tavares, presidente da PSA Peugeot Citroën.
No caso destes futuros administradores não executivos da CGD que estão em órgãos executivos de outras entidades, uma pesquisa semelhante sobre relações com a CGD não resultou em qualquer indicação de que esses grupos trabalhem com o banco público, segundo a base de dados da Informa D&B.
O SOL questionou o Ministério das Finanças se estão previstos ou poderão ser estabelecidos mecanismos para mitigar potenciais conflitos de interesse nos casos de administradores não executivos da CGD com cargos de gestão executiva em empresas com relações creditícias com a CGD – não obteve resposta. Questionou também o grupo Porto Bay sobre o mesma questão, e o desfecho foi idêntico.
Alerta do BCE
Os possíveis conflitos de interesse na nova administração da CGD são um dos alertas feitos pelo BCE numa carta enviada à administração da CGD a 8 de junho, sobre a qual a tutela teve conhecimento. Na missiva, revelada no passado fim-de-semana por Marques Mendes, o regulador deu a conhecer várias recomendações sobre a forma como as mudanças na CGD deveriam ser concretizadas.
Em primeiro lugar, o BCE recomendava em junho que o número de administradores não fosse maior maior do que 15. O Governo propôs 19 elementos. Em segundo lugar, queria que o presidente executivo seja fosse o mesmo que o não executivo. O regulador recomendava ainda que os administradores tivessem experiência na banca, mesmo os não executivos, e que deveria ser acautelado que não houvesse conflitos de interesses nos elementos na administração.
Depois de Marques Mendes revelar a carta, o gabinete de Mário Centeno garantiu que o BCE não vetou qualquer proposta do Governo para a reestruturação da CGD nem pediu um plano de capitalização alternativo à injeção de verbas públicas, como tinha afirmado o comentador da SIC. E criticou a revelação da carta do BCE pelo ex-líder do PSD, num momento em que o processo está ainda a ser negociado com as autoridades comunitárias.
Governo diz ter apoiodas autoridades
O ministério garante que o BCE e a Comissão Europeia têm «apoiado» o trabalho do executivo, que está ainda em curso. «Como é do conhecimento público, o Governo encontra-se, enquanto acionista, a avaliar e a discutir com as entidades europeias a substituição do conselho de administração da CGD e o seu plano de capitalização. Estas conversações têm evoluído de forma construtiva. Tanto o BCE quanto a Comissão têm apoiado o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, não tendo havido qualquer veto às propostas apresentadas pelo governo, designadamente veto a nomes propostos. Nem qualquer exigência ou apresentação de um plano alternativo», afirmou o ministério.
As Finanças referiram ainda que as alterações na CGD estão a ser ultimadas e que o próprio montante da injeção de capital está por definir. «Relativamente à capitalização o valor será apurado após a entrada em funções da nova administração, sustentado na auditoria já anunciada pelo governo e em função das negociações em curso», explicou o ministério.