Bofetadas, cornos e hemodiálise. Não faltam motivos para demissões

João Soares, Manuel Pinho, António Vitorino e Manuel Borrego. São alguns dos exemplos de ministros que não resistiram à pressão das polémicas e acabaram por sair do governo.

«Já recordei aos membros do Governo que, enquanto membros do governo, nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do governo», dizia António Costa em abril sobre a polémica que fez cair o ministro da Cultura João Soares. Quatro passados, as palavras do primeiro-ministro parecem não se aplicar a todas as situações.

Augusto Santos Silva pôs um ponto final à questão das viagens pagas pela Galp a secretários de Estado ao anunciar, esta quinta-feira, a criação de um código de conduta que esclarecesse o que é possível ou não, por parte dos altos cargos da função pública, aceitar como presente.

Demissão foi palavra que não se ouviu nas declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar dos achas na fogueira lançadas pelo CDS – o único partido a pedir claramente a demissão dos governantes. Santos Silva optou por garantir que Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira iriam pagar do seu próprio bolso as viagens a França oferecidas pela petrolífera.

João Soarese as «bofetadas»

Mas na história da política portuguesa não faltam governantes que se demitiram ou foram demitidos por casos insólitos.

O mais recente foi o do antigo ministro da Cultura, João Soares. O filho do histórico socialista, Mário Soares, apresentou a demissão no dia 8 de abril, depois de ter prometido «bofetadas» a Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente, críticos do jornal Público.

Tudo aconteceu através da página de Facebook de João Soares.  «Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir (…) Estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente, para as salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também», escreveu o socialista, no dia 7 de abril.

O pedido de demissão não tardou a chegar, apesar das desculpas aos visados. «Faço-o por razões que têm a ver com a minha profunda solidariedade com o Governo e o primeiro-ministro, e o seu projeto político de esquerda. (…) Demito-me também por razões que têm a ver com o meu respeito pelos valores da liberdade. Não aceito prescindir do direito à expressão da opinião e palavra», lê-se no comunicado de João Soares.

Na altura, o primeiro-ministro foi claro na sua visão relativamente aos governantes, lembrando que nunca se podem esquecer do cargo que ocupam e que isso deve fazer com que devam até «ser contidos na forma como expressam as suas emoções».

Manuel Pinho e ‘cornos’

Sete anos antes, simular cornos  durante um debate no Parlamento também foi motivo suficiente para a demissão de um ministro.

Foi o caso de Manuel Pinho, ministro da Economia de José Sócrates, que, durante um debate do estado da Nação, simulou um par de chifres, colocando os dois dedos indicadores ao lado da testa. 
A situação foi filmada e transmitida em direto, e deu que falar em todo o país. O gesto, considerado «insultuoso», foi dirigido à oposição, mais concretamente a Bernardino Soares, na altura líder parlamentar do PCP, enquanto o então primeiro-ministro respondia a uma questão de Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, a propósito dos empregos nas minas de Aljustrel.

A demissão chegou a 2 de julho de 2009, com José Sócrates –  que classificou a atitude do governante como «injustificável» – a informar, logo após o debate, que tinha decidido passar a pasta da Economia para o então ministro das Finanças, Teixeira Santos.

António Vitorino e o SISA

Estávamos em 1997 quando rebentou o escândalo com António Vitorino relativamente ao SISA, um imposto sobre transmissões de imóveis que,  em 2004, foi substituído pelo Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

Na altura, foi noticiado que o ministro da Defesa não tinha pago o SISA relativamente a um monte que tinha comprado em Almodôvar por ter declarado um valor inferior ao real – o SISA só era aplicado na compra de imóveis superiores a seis mil contos (30 mil euros).

A notícia estava pronta para ser avançada pelo jornal Público, mas antes fosse publicada, o socialista convocou uma conferência de imprensa para anunciar a sua demissão.
Duarte Lima e a casa da sobrinha

Uma propriedade, mais precisamente uma quinta, também esteve na origem da demissão de Duarte Lima.
Uma investigação do Expresso referia que o social-democrata adquiriu seis terrenos em Nafarros (Sintra), entre 1993 e 1994, apesar de as escrituras estarem em nome de uma sobrinha, que não tinha rendimentos declarados. As dúvidas sobre a aquisição dos terrenos foram suficientes para levar Duarte Lima a apresentar a demissão da liderança da bancada parlamentar do PSD.

Carlos Borrego e a hemodiálise

Difícil de esquecer foi também o que disse Carlos Borrego, ministro do Ambiente em 1993, após 25 doentes sujeitos a hemodiálise, no hospital de Évora, terem morrido devido a uma intoxicação provocada por alumínio.
«Sabem o que é que no Alentejo – em Évora melhor dizendo – fazem aos cadáveres das pessoas que morreram ultimamente? Levaram-nos para reciclar, para aproveitar o alumínio». Uma afirmação feita durante uma visita ao Alentejo. O que pretendia ser uma anedota acabou por provocar ondas de indignação no país inteiro.

Com Cavaco Silva como primeiro-ministro na altura, a demissão de Carlos Borrego não tardou, tendo sido substituído por Teresa Gouveia. Borrego tinha deixado de ter condições para continuar no cargo.