“Yes! We Have No Bananas”. A canção de Billy Jones foi um hit em 1923 e brincava com o que viria a ser uma fatalidade: se na altura as bananas começavam a rarear nas mercearias, em 1950 a Gros Michel – variedade então dominante a nível mundial – foi arrasada pelo mal do Panamá, uma das doenças causadas por fungos que historicamente afetam o fruto do amor. Meio século depois, os alarmes estão de novo a soar cada vez mais alto e a história promete repetir-se: um estudo divulgado esta semana conclui que os fungos que atacam as bananeiras estão a ficar mais agressivos. Os autores estimam mesmo que dentro de cinco a dez anos pode deixar de haver bananas, pelo menos as que conhecemos hoje.
O trabalho foi divulgado na revista científica “Plos Genetics” e apresenta os resultados da sequência genética de três estirpes de fungos que causam a doença sigatoka, uma das ameaças que têm estado a gerar maior preocupação. Em algumas regiões, em particular na América Latina, esta doença tem destruído 40% das plantações. Os investigadores, norte-americanos e holandeses, decidiram analisar os fungos que começaram a alastrar nos anos 90 do século XX e concluíram que não só conseguem fintar as defesas das plantas como também manipular o seu metabolismo.
Ao inimigo cada vez mais perfeito junta-se um aspeto singular da cultura da banana. É que, ao contrário de outras espécies vegetais, as bananeiras que comemos são todas da mesma variedade – depois da erradicação da Gros Michel nos anos 50, passou a cultivar-se a Cavendish, mais resistente ao mal do Panamá.
O facto de todas as plantas serem da mesma variedade, quando se trata de um fruto presente na alimentação de mais de 400 milhões de pessoas, é a “receita para o desastre”, descreveu Ioannis Stergiopoulos, um dos autores do estudo. É que se os fungos se tornarem virulentos ao ponto de arrasar com plantações num ponto do planeta, conseguirão fazê-lo em todo o lado, basta que para isso lá cheguem.
Madeira sem casos, mas atenta
Em Portugal, a região com maior produção de banana é a Madeira, com mais de 20 mil toneladas comercializadas anualmente – uma indústria que vale 12 milhões de euros e que este ano passou a usar a mãe de Cristiano Ronaldo, Dolores Aveiro, como rosto no marketing.
Bruno Silveira, da direção regional da agricultura da Madeira, admite que a expansão da doença sigatoka a nível internacional é preocupante mas adianta que, para já, não há qualquer sinal de contaminação na ilha. Para o especialista, o clima da Madeira poderá ter um papel protetor e poupar a região da doença. “Tem alastrado em zonas de clima tropical, com temperaturas sempre acima dos 25 graus e humidade muito elevada. Na Madeira temos essas condições mas não durante todo o ano”, explica.
Ainda assim, a prevenção é a palavra de ordem. Além do controlo das importações – para garantir que não chegam rebentos contaminados da América Latina –, os serviços regionais têm apostado na sensibilização que visa minorar o efeito de outras doenças que podem prejudicar as colheitas (como o mal do Panamá, que continuou a existir mas causa menos estragos na variedade Cavendish). Neste momento, Bruno Silveira estima que apenas 3% da cultura da bananeira está afetada por esta doença e explica que um dos alertas feitos aos produtores vai no sentido de não levar material e calçado de umas fazendas para as outras, para diminuir o risco de contágio.
Outra medida relevante é o controlo de pragas nas bananeiras, em particular do gorgulho, inseto que fura as plantas e permite a entrada mais rápida dos fungos quando estes estão presentes.
O risco não pode ser descurado, mas Bruno Silveira não antevê por agora a chegada da sigatoka à região, tal como não existem também sinais da doença nas ilhas Canárias, com clima idêntico à Madeira. O cenário seria desastroso e, para perceber porquê, é preciso compreender a dinâmica da cultura da banana: geralmente, as bananeiras dão apenas um cacho ao ano e, nesse mesmo ano, cresce um rebento que dará o cacho do ano seguinte, explica o especialista. O mal do Panamá consegue destruir o cacho no espaço de três semanas, mas, na maioria das vezes, não compromete o rebento do ano seguinte: “As plantas continuam a dar fruto por mais dois ou três anos”. Já a sigatoka destrói por completo a bananeira e o terreno também fica inviabilizado: “O efeito é arrasador”.
Se as bananas da Madeira resistirem, pode ser bom para o negócio e saírem valorizadas, mas Bruno Silveira explica que o problema é demasiado sério a nível internacional para ser visto por este prisma: “Para nós, é um fruto (e no caso da banana da Madeira quase um produto gourmet), mas em muitos países é a base da alimentação. É o quarto vegetal mais consumido a nível mundial.”
Fungicida ou nova espécie
Para os investigadores, só há duas opções para as bananas não terem os dias contados.
Ou a descoberta de um fungicida potente – e a sua utilização em todas as produções, a maioria em países em desenvolvimento onde o financiamento da investigação e aplicação não abunda – ou a aposta numa nova variedade de banana mais resistente do que a Cavendish.
No fundo, trata-se de repetir a saga dos anos 50 e encontrar uma variedade mais robusta e que agrade o paladar dos fregueses, o que nem sempre é fácil. Apesar do aspeto mais tosco, diz quem provou que as velhas bananas tinham uma polpa mais doce e cremosa. É guardar o sabor das atuais para espicaçar as gerações vindouras.