Madrid, 27 de outubro de 1980. Carmen Maura, Eva Siva e Alaska estreavam com Pedro Almodóvar a sua primeira longa metragem comercial sem sonharem com a importância histórica que teria um dia o momento que protagonizavam. Oitenta e dois minutos rodados em 16mm, depois convertidos para 35mm, em duas partes, que o dinheiro escasseava e era impossível fazer tudo de uma vez, 400 mil pesetas (2400 euros) de orçamento inicial para “Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón”, que no final acabou haveria de custar 1 milhão.
“Fui fazer um anúncio surrealista ao champô Sunsilk e tive que pôr uma peruca porque tinha cortado o cabelo para a segunda parte da rodagem”, recordou numa entrevista ao espanhol Tiempo Kiti Manver. “Almodóvar era uma dessas pessoas que propunham coisas muito arrojadas. Era muito ousado. Nesse momento nem suspeitávamos da projeção que viria a ter, a única coisa que pensávamos era que valia a pena seguir aquele homem. Não sabíamos que estávamos a assistir ao nascimento de uma personalidade cinematográfica importantíssima não só para nós como para o país.”
Kiti Manver não era Pepi nem Luci nem Bom, entrava no grupo das outras, descrita como “a chica que é modelo e cantora mas que não é puta (como Kiti Manver)”. Carmen Maura, Eva Siva e Alaska eram, por esta ordem, Pepi, Luci e Bom neste filme que na verdade foi Carmen Maura que convenceu Almodóvar a adaptar ao cinema – a história tinha sido originalmente escrita para uma fotonovela – “Erecciones Generales” era o título, e isso diz tudo sobre o que é este filme e sobre o que viria a ser a carreira de Almodóvar, que chega, mais de três décadas depois e por altura da estreia do seu vigésimo filme nos Estados Unidos, ao MoMA de Nova Iorque, que dedica uma retrospetiva integral à sua obra, com a projeção dos seus 20 filmes, de “Pepi, Luci, Bom…” a “Julieta”, entre 29 de novembro a 17 de dezembro.
É bem provável que “Julieta”, o filme que o realizador estreou este ano em Espanha sem grande sucesso comercial, seja bem melhor recebido nos Estados Unidos do que em casa. Afinal “Julieta” é sem grandes dúvidas a mais anglo-saxónica das suas obras até aqui. Baseada em três contos de um livro publicado pela canadiana Alice Munro em 2004, “Runaway”, “Julieta” esteve para ser o seu primeiro filme em inglês. Almodóvar chegou mesmo a convidar Meryl Streep para o papel principal – nesta versão em espanhol interpretado por Adriana Ugarte e Emma Suárez. o filme acompanha Julieta em três fases distintas da sua vida – e o filme seria rodado no Canadá, mas acabou por nunca acontecer. Almodóvar regressou depois à história nesta versão espanhola, que estreia no próximo mês nas salas nacionais.
Será a maior homenagem nos Estados Unidos ao maior cineasta espanhol desde Buñuel (1900-1983), organizada por Rajendra Roy, curador principal do departamento de cinema do MoMA, e La Frances Hui, curadora associada do departamento de Cinema do museu, que destacaram a capacidade de Almodóvar para “explorar géneros cinematográficos tão distintos como o melodrama e a comédia”.
Mais de 30 anos e 20 filmes passados em revista, a obra de Almodóvar, que em outubro de 1980 ainda não se sabia mas viria a tornar-se na figura mais relevante da Movida Madrileña, movimento contracultural na transição da Espanha após a morte de Franco, em 1975. Passando por filmes como “Átame” (1990), que deixaram a América chocada, por outros que foram mais bem recebidos, caso de “Fala Com Ela” (2002), e pelos que o consagraram, “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, o primeiro dos seus filmes com uma nomeação para os Óscares, em 1988, e “Tudo Sobre a Minha Mãe”, que em 1999 deu a Almodóvar o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.
“É para mim uma honra regressar ao MoMA”, disse Almodóvar, que estará presente na projeção de “Julieta” no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. “É uma honra para mim que os jovens cinéfilos tenham a oportunidade de descobrir os meus primeiros filmes.”