Vera (nome fictício) sabia que queria ser médica. Sabia também que para isso tinha de conseguir a média necessária – uma das mais exigentes em Portugal. E conseguiu. O que nem ela nem os pais adivinhavam era que, ao final de três semanas de curso, a ansiedade a fizesse desistir do sonho para regressar para junto dos pais – um caso a somar a outros que levam alguns psicólogos a questionar o tipo de educação que é dada pelos pais portugueses.
Ao i, Quintino Aires explica que o maior problema de quem tem de ir estudar para longe da família é que não está preparado para enfrentar as dificuldades que surgem no dia-a-dia. “A verdade é que, em Portugal, muitas vezes não falamos na liberdade que se ganha por ir estudar para longe dos pais. Há casos em que se trata mais de uma libertinagem, que é fruto da educação que temos dado às nossas crianças. Os jovens não estão preparados porque são cada vez mais imaturos”, explica.
Uma das causas desta imaturidade de muitos jovens adultos é o facto de existirem erros que foram cometidos ao longo de anos – erros mais comuns do que muitos possam pensar. “Há pais que levam os filhos à escola até aos 14 anos. Arrumam-lhes o quarto e preparam as refeições. Claro que isto faz com que, mais tarde, não estejam preparados. De repente, terem de fazer tudo sozinhos passa a ser muito assustador. E isto só acontece porque estamos a educar muito mal em Portugal”, sublinha.
Com os comportamentos de risco muito associados aos jovens adolescentes e jovens universitários, também Américo Batista, psicólogo comportamental, sublinha que, para estes jovens que vão estudar para outra cidade, “há uma grande mudança de vida e também uma grande oportunidade”. Sem esquecer, no entanto, que há de facto riscos a ter em conta. Ainda que “não sejam causados pelo afastamento da família, mas sim porque esta situação pode aumentar problemas que já existiam”.
“Os comportamentos de risco não são uma coisa que aparece nesta altura. Esta fase pode ser uma coisa espetacular. Até podemos falar de casos em que os jovens podem conseguir libertar-se de uma família opressora, por exemplo.” Ou seja, para um jovem “que teve um desenvolvimento sem problemas, é uma oportunidade de crescimento”. A questão é que os jovens têm de ser preparados antes. “Se tiverem um estilo de vida saudável, a probabilidade de consumirem drogas ou álcool baixa muito”, esclarece.
Beber álcool
Aos 13 anos Há cerca de cinco meses, o último Estudo sobre os Consumos de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Aditivos e Dependências mostrava que um terço dos alunos portugueses de 13 anos já experimentaram bebidas alcoólicas. Por esta altura, o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) alertava para o facto de existir uma “acentuada progressão dos níveis de consumo ao longo das idades”, que se verifica também no que respeita a outras substâncias.
Já no caso dos jovens com 18 anos, por exemplo, quase a totalidade dos alunos tinham experimentado bebidas alcoólicas e mais de metade tinham bebido nos últimos 30 dias antes do inquérito.
Para Quintino Aires, uma das questões que deve ser tida em conta na abordagem deste tema é que “o mais perigoso quando um jovem vai para um outro sítio estudar, longe da família e dos amigos, é entrar num grupo que desnorteia. Todos sabemos que, em grupo, somos muito mais perigosos”. O problema da educação que “tem sido dada nos últimos anos em Portugal vê-se, por exemplo, no aumento do consumo de álcool e drogas nos últimos anos, isto depois da luta que foi feita nos anos 80 contra este tipo de dependências e comportamentos”.
Um futuro comprometido?
A falta de preparação dos jovens para questões da vida adulta é uma nova questão e a prova de que a sociedade portuguesa tem vindo a mudar ao longo dos últimos anos. Quintino Aires esclarece que “vamos ter uma sociedade mais problemática no futuro”. Mas o que mudou nos últimos tempos? “Há 30 anos, o problema que levava muitos pais ao psicólogo era a dislexia. Agora não. Tudo mudou radicalmente. Agora é porque o filho tem 20 anos e não estuda nem trabalha, e pede dinheiro para sair aos fins de semana, à noite. Os jovens sofrem muito, os pais também, e a fatura para todos nós vai ser muito cara.”
Também Américo Batista considera que é importante que os jovens tenham desde cedo alguma liberdade que deve ir aumentando “de uma forma gradual”, porque um dos maiores problemas é a “a proteção em excesso”.
“Os nossos jovens têm de estar preparados para serem autónomos. Se estiverem bem preparados, quando saem de perto dos pais, tudo acontece normalmente. Baixam os níveis de ansiedade e todos os riscos”, defende Quintino Aires.