A história, que ficou conhecida como caso das escutas, poderia dar um filme. Não deu, mas é a principal atração do livro de Fernando Lima, assessor de Cavaco Silva desde a primeira hora, que esteve no centro de um dos episódios mais polémicos e caricatos da vida política portuguesa nos últimos anos.
O país andava, em agosto de 2009, em campanha eleitoral quando foi apanhado de surpresa pela manchete do jornal Público: «Presidência da República teme estar a ser vigiada». O caso tinha contornos inéditos. Em Belém existia a séria desconfiança de que os assessores estavam a ser vigiados pelos socialistas. A prova de que havia razões para desconfiar era que dirigentes do PS tinham tornado público que havia assessores de Cavaco Silva a participar na elaboração do programa do PSD.
A informação de que a presidência suspeitava que estava a ser vigiada foi dada ao Público por Fernando Lima, homem da confiança de Cavaco desde 1985. Num café discreto da Av. de Roma, relatava o Diário de Notícias um mês depois da bomba rebentar, o assessor de Cavaco entregou a um jornalista um dossiê sobre o socialista Rui Paulo Figueiredo. A presidência suspeitava que o deputado socialista tinha integrado a comitiva que viajou para a Madeira com Cavaco para observar «o modo de funcionamento interno do staff presidencial».
O caso – que o então primeiro-ministro José Sócrates, classificou como «disparates de Verão» – ocupou a agenda política durante toda a campanha eleitoral. Cavaco Silva ficou em silêncio até ao dia das eleições mas no dia a seguir fez uma comunicação ao país para tentar controlar os danos de uma polémica que afetou a presidência. Às oito horas da noite, numa comunicação sem direito a perguntas, o Presidente confirmou a desconfiança de que podia estar a ser vigiado com duas perguntas: «Será possível alguém do exterior entrar no meu computador e conhecer os meus emails? Estará a informação confidencial contida nos computadores da presidência suficientemente protegida?».
«Continuei a ser alvo de quem me seguia»
Quando Cavaco falou ao país já a polémica tinha feito estragos em Belém. O Presidente da República afastou Fernando Lima, o assessor de confiança que o acompanhava há mais de vinte anos, depois da notícia da «vigilância». A explicação viria uns dias mais tarde: «Ninguém está autorizado a falar em nome do Presidente da República, a não ser os seus chefes da Casa Civil e Militar. Foi por isso e só por isso que procedi a alterações na minha Casa Civil».
Sete anos depois, Fernando Lima decidiu «esclarecer o chamado caso das escutas». No livro Na Sombra da Presidência, que estará à venda a partir do dia 8 de setembro, o assessor de Cavaco Silva promete descrever «situações estranhas» que lhe foram acontecendo «sem que encontrasse uma razão plausível».
Durante todos estes anos esteve em silêncio. O tempo, garante num depoimento enviado à imprensa esta semana, ajudou-o, porém, a confirmar as desconfianças. «Mesmo depois de sair da assessoria para a comunicação social, continuei a ser alvo de quem me seguia. Situações estranhas foram-me acontecendo sem que encontrasse uma razão plausível. Só pararam quando o governo de José Sócrates foi substituído. Deixaram inclusivamente de se ouvir queixas daqueles que também suspeitavam estar a ser vigiados», afirma Lima que, após a polémica, foi ‘promovido’ a assessor do chefe da Casa Civil, Nunes Liberato.
O ex-director do Diário de Notícias confessa que era um «mistério» quem estaria por detrás deste esquema, mas sempre foi claro que as suspeitas recaíam sobre os socialistas. «Só um poder bem organizado é que teria capacidade para fazer o que motivava tantas queixas. Aconteceram-me situações que ultrapassavam a minha própria imaginação. Nas operações encobertas, é quase impossível identificar quem age e a mando de quem».
Socialistas estão curiosos
A polémica foi mais um contributo para que as relações entre Cavaco e o governo de Sócrates se fossem degradando. Os socialistas continuam a pensar que o caso das escutas foi uma «invenção». Foi assim que o então ministro Pedro Silva Pereira se referiu às suspeitas de Belém na noite em que Cavaco falou ao país: «Nunca passou de uma invenção e constituiu uma grave manipulação da verdade com o objetivo único de prejudicar o PS e o governo». Ao SOL, alguns socialistas confessam que estão curiosos para ler as revelações do assessor de Cavaco e preferem só falar depois disso. «Aquilo foi tudo um disparate», garante um ex-governante socialista.