Se é verdade que o tema da corrupção foi o mais presente nos discursos dos principais intervenientes, esta terça-feira, na abertura do ano judicial em Espanha, não menos importante foi a alfinetada que Consuelo Madrigal, que exerce o cargo equivalente ao de Procurador-Geral da República, no país vizinho, deu às crescentes pretensões de independência na Catalunha.
Em causa está aquilo que Madrigal apelida como um “desafio para o Estado de Direito” levantado pelo “desprezo do ordenamento constitucional”, por parte de “setores independentistas”.
Na génese deste “desafio” está a desconsideração, pelos ditos setores, da sentença do Tribunal Constitucional de 2 de dezembro de 2015, que anulava a declaração secessionista de 9 de novembro de 2014, por parte do parlamento catalão.
“Frente às (…) pretensões demagógicas que são contrárias à legitimidade democrática e à legalidade constitucional, cabe recordar (…) que não existe maior legitimidade do que aquela fundada na Constituição”, disse a Procuradora, no seu discurso, citada pelo jornal espanhol “El País”, referindo-se concretamente à sentença. “Nesta linha atuou e atuará a Procuradoria, face ao Tribunal Constitucional ou aos tribunais penais, se for caso disso”, sentenciou.
Mas tal como referido, o mote para a abertura do ano judicial, foi mesmo a questão da corrupção. Carlos Lesmes, Presidente do Supremo Tribunal espanhol, defendeu, na sua intervenção, a “raivosa independência” dos cerca de 5500 juízes e magistrados do país.
“Os juízes não admitem ingerências, nem pressões de qualquer tipo”, lembrou, numa cerimónia que também contou com a presença do rei de Espanha, Filipe VI.
Lesmes revelou ainda que em Espanha são ditadas perto de 300 de decisões judiciais por ano, situação que resulta em “mais sentenças que dias laborais”.
O tom dos discursos não é alheio à situação que se vive no país. Casos como o que levou a infanta Cristina, irmã do rei, a sentar-se no banco dos réus, por alegadamente ter cooperado nos delitos do marido, ou os vários escândalos em que o Partido Popular e o próprio Mariano Rajoy, se viram envolvidos na última década, estão a ensombrar a eficácia da justiça espanhola e descredibilizar a sua imagem, dentro e fora de portas.
“A corrupção é um sintoma e não uma doença”, afiançou Lesmes, segundo o “El País”, “um sintoma de perda de valores, de relativização de princípios, de apatia e insensibilidade”, diagnosticou.
Vivem-se tempos atribulados em Espanha, numa altura em que paira no ar a possibilidade terceira corrida às urnas, no espaço de um ano, para se formar governo.