Setembro veio e o verão já vai aos tombos, as crianças viram-no com paus, como se faz a um bicho gesticulando de patas para o ar, tentam reacender um último fogacho, mas não deixa de haver outras, mais secretas estações, o tempo que cada um cria ou para que se foge. De resto, como escreveu Emily Dickinson, não há melhor fragata do que um livro, para nos levar a terras distantes.
A rentrée literária já tem as suas promessas em fila, e a Cavalo de Ferro mantém-se fiel às suas armas e regressa com dois autores que têm visto as suas pedras alinhadas no parapeito desta editora. Julio Cortázar, tem finalmente traduzidas para a nossa língua as suas Aulas de Literatura – Berkeley, 1980. Um conjunto de sessões que o autor argentino conduziu num vasto diálogo sobre a criação literária e a sua experiência de escritor. Estas aulas resultaram de um convite que lhe foi feito pela universidade norte-americana, no período culminante da sua carreira de escritor.
Ainda em Setembro, chega O Coração do Homem, romance com o qual o islandês Jón Kalman Stefánsson, conclui a trilogia iniciada com Paraíso e Inferno e A Tristeza dos Anjos, já publicados pela Cavalo de Ferro.
Para Outubro a editora de Diogo Madre Deus segue na recuperação da obra de Ferreira de Castro, reeditando A Tempestade. Em Novembro chega A Cegueira – Uma Outra História do Nosso Mundo (Quando Recusamos Ver a Realidade), ensaio de Marc Ferro, uma das principais figuras da terceira geração da Escola dos Annales, num trabalho em que conjuga os campos da História, Sociologia e Política, para analisar os acontecimentos traumáticos do século XX (desde a I e II Guerras Mundiais, à queda do muro de Berlim, até à crise financeira de 2008 e os atuais ataques terroristas na Europa), levantando hipóteses sobre a inexplicável cegueira que impede a sua previsão.
No mais importante trimestre do ano para o mercado editorial, a Elsinore regressa em força, fazendo chegar às livrarias a obra de estreia de Svetlana Alexievich, Prémio Nobel da Literatura em 2015, publicada originalmente em 1985. A Guerra Não Tem Rosto de Mulher revela a perspetiva e o papel fundamental – que a História silenciou – das mulheres que estiveram na linha da frente durante a Segunda Guerra Mundial. Um testemunho marcante que foi o culminar de quatro anos de pesquisa e centenas de entrevistas.
A 19 de Setembro, a chancela do Grupo 20|20 aposta num nova voz britânica, Max Porter, ao publicar o seu livro de estreia, e obra vencedora do Prémio Dylan Thomas 2016, O Luto É a Coisa com Penas. Parte novela, parte fábula polifónica, parte ensaio sobre o luto, combinando sensibilidade e um estilo corajoso, o livro é um retrato vivo do pesar de um pai e dos seus dois filhos após a morte súbita da mãe. Carregado de um humor inesperado e marcado por uma profunda verdade emocional. Até ao final do mês, a Elsinore acompanhará a edição mundial de Born to Run, a aguardada autobiografia de Bruce Springsteen. Já em Outubro, chegará às livrarias Depois do Fim: Crónica dos Primeiros 25 Anos da ‘Guerra de Civilizações’, de Paulo Moura. Partindo dos seus diários pessoais de guerra, escritos no epicentro dos principais conflitos dos últimos 25 anos, mais que narrativa histórica, este é um livro sobre as pessoas que viveram a História, que nos ajuda a enquadrar e compreender este quarto de século de conflitos, idealismos e deceções, invasões, migrações forçadas e extremismos.
A Dom Quixote traz-nos Bússola, de Mathias Enard, obra que venceu o Prémio Goncourt 2015. Eis a instigante sinopse: «A noite desce sobre Viena e sobre o apartamento onde Franz Ritter, musicólogo fascinado pelo Oriente, procura em vão o sono. Oscilando entre sonhos e recordações, melancolia e febre, nesta noite de insónia, Franz revisita a sua vida, os seus entusiasmos, encontros e as numerosas estadias longe da Áustria – Istambul, Alepo, Damasco, Palmira, Teerão… –, mas questiona também o seu amor impossível pela exemplar e inalcançável Sarah, especialista da atração fatal que esse Grande Levante exerce sobre aventureiros, académicos, artistas e viajantes ocidentais. Assim se dá a conhecer um mundo de exploradores das artes e da sua história, de orientalistas modernos animados pelo puro desejo de combinações e descobertas que a atualidade contemporânea vem esbofetear».
Outra grande aposta da chancela do Grupo Leya é A Vegetariana, da sul-coreana Han Kang. Vencedor do prémio Man Booker, este é um romance alegórico e sombrio, que segue uma mulher em rota de colisão com o meio à sua volta depois de decidir tornar-se vegetariana, tentando emular a existência de uma planta. Com uma evidente dimensão política, esta narrativa vive antes de tudo de uma escrita visceral, com a condição humana, e particularmente a feminina, a ser retratada sob o peso da repressão e alienação que produz a sociedade moderna. Esta obra traduz um poderoso conflito na relação que temos com os nossos corpos e a forma como nos relacionamos uns com os outros. Um livro em que poder e obsessão se cruzam no esforço de uma mulher para se libertar da violência que tanto a cerca como daquela que tem origem no seu interior.
Chancela do mesmo grupo, a Teorema tem já nas livrarias O Czar do Amor e do Tecno, de Anthony Marra, um dos jovens escritores norte-americanos mais aclamados da atualidade. O New York Times não lhe poupou elogios e chamou a este livro «O Guerra e Paz do século XXI». Talvez seja um exagero, mas é certamente um dos títulos mais prometedores para esta rentrée: «Em 1937, um promissor pintor de Leninegrado vê-se reduzido à tarefa ingrata de ‘apagar’, de pinturas e fotografias, os dissidentes do regime soviético. Entre os inúmeros rostos que faz desaparecer, está o do seu próprio irmão, condenado à morte. Na atualidade, uma historiadora de arte dedica-se a estudar o mistério que se esconde na obra desse censor. Nas centenas de imagens que alterou, ele introduziu obsessivamente um rosto. Quem foi essa figura anónima, a um tempo dissimulada e omnipresente na História da Rússia? O segredo do criador de rostos atravessa décadas e fronteiras e confunde-se com a memória do país. Cruza as trajetórias de uma bailarina caída em desgraça, espiões polacos, mercenários, um aprendiz de mendigo, uma beldade siberiana, e até um lobo. E como pano de fundo, uma cidade com um lago de mercúrio, um céu sem estrelas e uma floresta de plástico».
Já a Porto Editora arranca com um novo livro de Mário de Carvalho, num registo até agora inédito. Ronda das Mil Belas em Frol fala sobre aventuras amorosas e fugazes, fala sobretudo sobre sexo, na perspetiva do protagonista que, num tom diarístico, vai narrando os seus encontros, numa exaltação ao sexo feminino.