Uma enorme espiral brilhante. Para um leigo na matéria, ou mero apreciador do rasto de estrelas e poeira que tão bem se consegue ver numa noite limpa e longe das luzes das grandes cidades, esta ideia chega para perceber como o mundo é muito mais vasto do que este palmo de terra onde vivemos. Ontem, porém, mudou tudo para os cientistas que se dedicam a estudar as complexidades do universo que nos rodeia. A Agência Espacial Europeia (ESA) divulgou o resultado do primeiro ano de recolha e tratamento de dados da Missão Gaia, um observatório espacial lançado em 2013 com o objetivo de cartografar a nossa galáxia, apurando a localização de pelo menos 1% das suas estrelas e fazendo medições de parâmetros como luminosidade ou gravidade. Pela primeira vez foi possível elaborar um mapa 3D com a posição exata de 1142 milhões de estrelas. Mais de um terço eram até aqui desconhecidas.
O projeto é inédito na astrofísica, mas também para a comunidade científica portuguesa. Até à data, foi a missão científica da ESA com maior envolvimento nacional. Na imagem ontem divulgada, a colaboração não passa despercebida: André Moitinho e Márcia Barros, do Centro Multidisciplinar de Astrofísica da Universidade de Lisboa (CENTRA), surgem nos créditos: ajudaram a transformar terabytes de informação no registo a preto-e-branco usado pela ESA para ilustrar o manancial de informação recolhido na missão, que durará cinco anos.
Mas a participação portuguesa está longe de ficar por aqui. Ao todo, mais de 20 investigadores e engenheiros portugueses já integraram o consórcio de 400 elementos que tem estado a analisar a informação recolhida pelos telescópios a bordo do observatório, a 1,5 milhões de quilómetros da Terra. Além da participação científica, três empresas contribuíram para o desenvolvimento da missão. A GMV ajudou a fazer testes que garantiram que a nave estava operacional, a Lusospace desenvolveu um sistema ótico que permitiu testar a capacidade das ferramentas para focar o brilho das estrelas e a Deimos Engenharia colaborou no desenvolvimento do sistema de transmissão e armazenamento de dados.
Em comunicado, a ESA explicou que a Via Láctea é uma galáxia em espiral, com a maioria das suas estrelas dispostas num disco com cerca de 100 mil anos-luz de largura e mil anos-luz de “altura”, o que ajuda a perceber o exercício de síntese que é preciso para transformar medições de parâmetros de mil milhões de estrelas numa imagem publicável. Neste primeiro mapa de bolso da Via Láctea, as regiões mais escuras correspondem a nuvens densas de gás interestelar e poeiras. Os dois objetos brilhantes do lado direito são as nuvens de Magalhães, galáxias satélites da nossa. O mapa final da Gaia é esperado em 2022. O potencial dos equipamentos a bordo do observatório não é comparável a nada alguma vez lançado para o espaço, pelo que o resultado é imprevisível. Consegue captar objetos 4 mil vezes mais ténues do que o olho humano consegue alcançar, qualquer coisa como ver um cabelo humano à distância de mil quilómetros.