Porque existem tantos Kim na Coreia?

Na Coreia do Sul, um em cada cinco membros da população tem o apelido Kim. Na Coreia do Norte, ninguém pode ter o nome Kim Jong-Un a não ser o próprio líder. Afinal, por que razão existem tantos Kim na península da Coreia?

Em Portugal há muitos Silvas, os Estados Unidos estão cheios de Smiths, e o Reino Unido de Jones. Na Coreia do Sul existem muitos Kim – um em cada cinco sul-coreanos tem este nome, num país com uma população a rondar os 50 milhões de pessoas. O que estará por detrás deste fenómeno?    

No geral, existem poucos apelidos na Coreia do Sul: para além de Kim, Park (o apelido do atual presidente e do conhecido rapper Psy) e Lee compõem o pódio dos nomes mais usados. Estima-se que existam apenas 250 apelidos neste país e que os três referidos anteriormente sejam usados por grande parte da população, um facto que pode estar relacionado com a influência chinesa.

Segundo as declarações de Donald Baker, do departamento de Estudos Asiáticos da Universidade de British Columbia, ao site International Business Times, a história e cultura coreana foram muito influenciadas pelo domínio chinês – a primeira invasão chinesa dá-se no ano de 1123 a.C. 

“Durante grande parte da história coreana, apenas as elites tinham apelidos. Estas escolhiam nomes que sugerissem que tinham ancestrais chineses, um povo que os coreanos respeitavam”, afirma o especialista.

“Existiam poucos apelidos que pudessem sugerir esta ligação”, daí que muitas famílias privilegiadas tivessem o mesmo nome. “Anos mais tarde, quando o povo começa a adotar apelidos, o critério usado para escolher um era seguir aqueles que tinham sido eleitos pelas famílias mais importantes, e assim desfrutar do prestígio associado a esses clãs”, explica Baker. Recorde-se que, até à Idade Moderna, os coreanos viviam numa sociedade aristocrática, com poucas famílias no topo da hierarquia, “o que limitava o número de apelidos ‘prestigiantes’ disponível”, acrescenta. 

Os anos passam e os nomes ficam A adoção de apelidos com carateres chineses tornou-se mais popular na Coreia durante a queda do reino de Silla (um dos Três Reinos da Coreia, que se fragmentou no século x da era cristã).

“Kim e Park eram os nomes das principais famílias reais daquela altura. O nome Choi apareceu um pouco mais tarde e Lee foi o fundador da dinastia Joseon [que durou entre os anos 1392 e 1897], a dinastia administrativa mais longa da história mundial”, explica Sung- -Yoon Lee, professor assistente de Estudos Coreanos na Universidade de Tufts, em Boston. 

No final do século xix, altura em que se dá a adoção oficial dos apelidos com carateres chineses e que estes começam a ser usados pelo povo, os nomes escolhidos eram, como foi referido anteriormente, aqueles que estavam ligados a famílias aristocráticas, como Kim e Park.

Assim sendo, muitas das pessoas que compunham as classes mais baixas escolhiam os apelidos com base nos seus superiores. Muitos escravos, por exemplo, adotavam os nomes dos seus donos. Isso faz com que, apesar de existirem muitos Kim na Coreia, poucos possuam uma ligação genética.

E na Coreia do Norte? O fenómeno é semelhante no norte da península. Recorde-se que esta só é dividida após a ii Guerra Mundial, com a Guerra das Coreias (1950-53). Ou seja, o processo de adoção de apelidos com carateres chineses foi idêntico ao vivido na agora Coreia do Sul.

Mas existe outra questão relacionada com a quantidade de pessoas com o apelido Kim na Coreia do Norte: a sua própria dinastia. A Coreia do Norte é um Estado unipartidário, liderado pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia. É oficialmente uma república socialista, vista por muitos como uma ditadura totalitarista estalinista. 

O primeiro líder deste país foi Kim Il- -Sung, o homem que implementou a ideologia Juche, cujo objetivo são as massas e não qualquer poder externo, mas que na realidade se traduz numa ditadura baseada no culto da personalidade, marcado pela devoção do povo ao seu líder. Começa aqui a dinastia norte-coreana: depois de Kim Il-Sung, o poder passa para o seu filho, Kim Jong-Il, e posteriormente para o seu neto, o atual líder Kim Jong-Un. 

Sem que haja muitas informações sobre os dados atuais dos norte-coreanos, seria de esperar que, tendo em conta o já referido culto da personalidade, existissem mais Kim neste país, como homenagem aos seus líderes. Mas a verdade é que acontece exatamente o contrário: o regime de Pyongyang decidiu banir todos os cidadãos que tivessem o mesmo nome que o seu fundador. E o mesmo aconteceu com as pessoas que se chamavam Kim Jong-Il, o sucessor de Kim Il-Sung.

Um artigo do jornal britânico “The Guardian” publicado em 2014 revela que, um ano antes de assumir a liderança do país, Kim Jong-Un seguiu as pisadas do pai e do avô, ordenando que todas as pessoas que tivessem um nome igual ao seu o alterassem. “Todos os órgãos do partido e autoridades de segurança pública devem fazer uma lista de cidadãos chamados Kim Jong-Un (…) e fazer com que, voluntariamente, mudem o seu nome”, refere o documento com a “ordem administrativa”, divulgado na altura pelo canal de televisão sul-coreano KBS TV. O governo não quis comentar a medida alegadamente implementada pelo líder do país vizinho: no sul, cada um tem o nome que quer, mas a probabilidade de ter o apelido Kim é grande…