Vanessa. Santana a património imaterial de Lisboa

Em 2001 não havia iPhones, mas já havia um Santana indeciso. Não havia Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, mas já tínhamos a terna indecisão de Santana Lopes.

Há 15 anos, Santana Lopes estava “indeciso” sobre uma candidatura à Câmara de Lisboa. Hoje, Santana Lopes está indeciso sobre uma candidatura à Câmara de Lisboa. A Vanessa acha que Santana devia ser consagrado como património municipal.

nde estava o leitor no ano de 2001? Não estamos a falar do 11 de setembro de 2001, onde toda a gente sabia o lugar onde estava. Não, vamos pensar mesmo do ano inteiro de 2001. Onde estava? O que fazia? O meu filho estava na primária. Eu morava numa casa com um quintal gigante e, na realidade, noutra galáxia. Não havia crise financeira. Tinha um vestido às flores que hoje serve de pano de limpeza.

A nossa vida, a minha e a do leitor, mudou radicalmente nestes últimos 15 anos. O meu filho tornou-se adulto. Mudei duas vezes de emprego. Moro numa casa que tem um jardim municipal em frente. Já não uso vestidos com flores.

Eu e o leitor estávamos em lugares muito diferentes de onde estamos hoje, nesse longínquo 2001. E onde estava Pedro Santana Lopes? No mesmo sítio onde está hoje – indeciso sobre a candidatura à Câmara Municipal de Lisboa.

A Vanessa acha que há qualquer coisa de pacificador no facto de, em 15 anos, algumas coisas não mudarem: o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, a ponte sobre o Tejo, o espírito de Alcântara e as marisqueiras da rotunda. E Pedro Santana Lopes.

Num texto de 2001, o “Público” citava uma frase linda de Santana Lopes: “Sou muito indeciso, pois sou”. Claro que se referia às eleições para a Câmara de Lisboa que iriam decorrer em dezembro desse ano. Santana Lopes estava indeciso. Hoje está indeciso. A frase de 2001 era assim: “Enquanto não vir claro e enquanto não sentir que vale a pena não posso tomar uma decisão”. Esta frase podia ser de hoje. A diferença é que, há 15 anos, Santana Lopes ainda se atrevia a dizer que tinha três amores “que não eram passionais, mas políticos”. Hoje, Santana Lopes já não fala de coisas passionais. A Vanessa acha que lhe deu aquilo que Ruben Fonseca diz acontecer às pessoas à medida que envelhecem e que a Vanessa não quer que lhe aconteça. Perder a pachorra para “as desilusões, as aflições e a logística exasperante da aventura amorosa”. Politicamente falando, claro.

Na realidade, a Vanessa já tinha saudades de Santana Lopes. Não é só o facto de uma indecisão para a Câmara de Lisboa lembrar que existe alguma continuidade no mundo, uma coisa de que precisamos à medida que o tempo passa. Em 2001, não havia iPhones, mas já havia um Santana indeciso. Não havia Facebook, Twitter, Instagram ou Youtube, mas tínhamos a terna indecisão de Santana Lopes. Para a Vanessa, Santana e o seu modo indeciso deviam fazer parte do património cultural da cidade, talvez do país.

Éramos quatro à mesa do restaurante chinês que fica aqui ao lado do jornal – eu, a Vanessa, a Lena e a Liliana – quando a Vanessa lançou a proposta:

– Podíamos fazer uma petição online! Em 2001 ninguém fazia petições online e já havia o Santana e a sua indecisão!

– Mas uma petição online para quê?, perguntámos nós.

– Uma petição online para que Santana Lopes seja nomeado património imaterial de Lisboa. Se o fado já é, porque é que Santana Lopes não pode ser? Ele e Lisboa têm uma história longa, que se confunde com a história das nossas vidas. O Medina só chegou ontem e tem uma cara de menino excessivamente bem-comportado. Ora, eu cá sempre gostei mais de homens como o Santana Lopes, assim um bocadinho para o mal-comportado.

– Santana Lopes já não é mal-comportado!, disse uma de nós.

– Nunca se sabe. As pessoas também não mudam tanto assim. Eu gostava que ele se candidatasse.

A Vanessa estava com um acesso de nostalgia.

– Acredito que a história se repete. Consola-me saber que alguma coisa continua na mesma. Se ele se candidatar tem o meu voto.