Portugal está de coração nas mãos por António Guterres. A candidatura a secretário-geral da ONU do ex-primeiro-ministro reuniu consenso partidário numa Assembleia dividida e deixou os portugueses orgulhosos das vitórias consecutivas e nas votações amigáveis. O socialista venceu todas e também parecia reunir consenso na Assembleia-Geral das Nações Unidas. No entanto, como o próprio apregoava, não há coração sem razão, e uma candidatura de última hora fez o país descer à terra. Kristalina Georgieva, favorita da direita de Bruxelas e da Comissão Europeia, pediu uma licença sem vencimento, deixando de ser vice-presidente de Jean-Claude Juncker para entrar na corrida à ONU.
A búlgara reúne o apoio de Angela Merkel e e sua candidatura está a ser preparada há bastante tempo pelo dirigente da Internacional Centrista Mário David, um português com forte influência no Partido Popular Europeu.
Desde o início do processo que os analistas apontavam os critérios regionais e de género como maior entrave ao sucesso de Guterres. Haveria um ponto tácito para a sucessão de Ban Ki-moon: seria uma mulher e de Leste. Características que nenhum dos candidatos com destaque nas votações amigáveis reunia. As pressões para Georgieva avançar emanam daí e o SOL sabe que a búlgara já ambicionava concorrer há mais de um ano.
Lívia Franco, professora universitária no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, afirma ao SOL: «É uma honra e traria muita visibilidade a Portugal ter um secretário-geral de origem portuguesa. O engenheiro Guterres tem o currículo e o perfil pessoal necessário. É, de facto, uma muito boa candidatura e estamos bem posicionados». No entanto, a especialista em relações internacionais lembra que «este é um processo de seleção com várias fases que decorre em contexto de Conselho de Segurança, logo é feito apenas por alguns». Apenas quinze dos 143 que compõem a Assembleia-Geral das Nações Unidas votarão.
«Nós sabemos que, desses quinze, cinco é que vão decidir mesmo», afirma a académica, referindo-se aos s membros permanentes, que têm poder de veto: França, Reino Unidos, Estados Unidos da América, China e Rússia. «Há razões para ter otimismo, mas deve ser moderado porque, em última análise, isto trata-se de uma negociação entre poderes e que vive do equilíbrio desses poderes e de um jogo de influências. É importante ter noção que não se trata de uma eleição nem um processo eleitoral democrático».
Georgieva, «sendo mulher, de leste, com o apoio de potências como a Alemanha e vindo da mesma área político-civilizacional que o centro-direita moderado, como os Estados Unidos e o Reino Unido, pode conseguir os mesmos apoios que a candidatura do eng. Guterres podia ter», exemplifica Lívia Franco. «À medida que o processo vai avançando passa a funcionar cada vez por exclusão de partes e aí faria sentido a Rússia preferir uma candidata búlgara a um candidato português», adverte também.
O facto de a candidata búlgara inicial, Irina Bokova, não se retirar da corrida pode não afetar a entrada de Georgieva, porque as candidaturas têm apoios nacionais mas não estatuto de representação nacional. A 5 de Outubro, as votações deixam de ser amigáveis, passando os votos a revelar os desencorajamentos dos membros permanentes. A ameaça de um veto paira sobre qualquer um. Incluindo António Guterres.