A concorrente de Guterres à ONU que quer dar voz à bondade

Georgieva reconheceu que entrou tarde na corrida, mas deixou uma garantia: “I can make things happen”. Pode fazer as coisas acontecer

Uma mulher com uma vasta experiência, que está habituada a lidar com questões difíceis e que tudo fará para encontrar soluções e mostrar resultados.

Foi assim que Kristalina Georgieva se definiu perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, esta segunda-feira, na defesa da sua candidatura a secretária-geral das Nações Unidas. 

Já todos os outros candidatos, incluindo o português António Guterres, prestaram provas públicas, mas esta foi a primeira intervenção da búlgara, que entrou na corrida na semana passada – apesar de a sua candidatura ser aguardada há vários meses. Facto que começou de imediato por reconhecer. “Sei que sou uma candidata tardia. Teria preferido entrar mais cedo, uma vez que a transparência e abertura são pontos que têm definido a minha carreira”. Duas características que têm marcado este processo de seleção. Recorde-se que esta candidatura de “última hora” foi fortemente criticada por membros do Conselho de Segurança da ONU, nomeadamente pela Rússia. 

Tardia mas com experiência

Ao longo de toda a sessão, que durou cerca de duas horas, a vice-presidente da Comissão Europeu – que falou em inglês, francês e russo – fez questão de realçar por diversas vezes as instituições europeias para as quais trabalhou: o Banco Mundial e a Comissão Europeia. E enumerou as qualidades que tem para oferecer à ONU: para além da vasta experiência profissional, destacou a sua capacidade de resolver problemas complexos e de agregar pessoas em torno de um consenso. “I can make things happen”, garantiu a vice-presidente da Comissão Europeia (numa tradução livre, “consigo fazer com que as coisas aconteçam”).

“Se tiver a honra de liderar [as Nações Unidas], fá-lo-ei com independência, transparência e focada incessantemente nos resultados”, acrescentou ainda a candidata.

Dar poder às mulheres

Mas não é só esta experiência profissional que a torna uma ameaça para António Guterres, que até hoje venceu todas as votações informais. É também o facto de ser mulher e proveniente do Leste da Europa, duas condições informais que sempre estiveram em cima da mesa desde o primeiro dia da corrida e um desejo já expresso pelo atual secretário-geral, Ban Ki-moon.

Um assunto ao qual Georgieva não fugiu. Aliás, fez questão de salientar que, na União Europeia, conseguiu duplicar o número de mulheres em cargos de liderança e prometeu fazer o mesmo nas Nações Unidas. “Dêem poder às mulheres e coisas boas vão acontecer”, sublinhou a economista.

Georgieva disse ainda que será a “campeã” a encontrar financiamento, em particular para apoiar iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável, acrescentando que tem como objetivo “trazer o setor privado a bordo”.

Mas a búlgara não deixou de fazer críticas à organização que poderá vir a liderar. Destacou a necessidade que as Nações Unidas têm de se adaptar à realidade que se vive hoje em dia. “A ONU tem um longo caminho a fazer para ficar mais confortável no século XXI”, afirmou a vice-presidente da Comissão Europeia, adiantando que “só assim” se poderá dizer que esta é “uma organização que merece o respeito das pessoas”.

Prevenção

Durante a intervenção, a búlgara foi questionada por vários membros da Assembleia Geral e as palavras que mais repetiu foram prevenção e antecipação. Seja, por exemplo, no caso das alterações climáticas, onde referiu que é importante “antecipar para que as pessoas não corram riscos”, seja no caso das crises humanitárias. “Gastamos muito pouco em prevenção e muito na resposta”. 

No caso da Síria, nomeadamente em relação à situação de milhares de pessoas que vivem em Alepo, a candidata à liderança das Nações Unidas defende que há uma “lição” que pode ser já retirada desta “situação complexa”: esta foi uma situação que foi piorando “à frente dos nossos olhos” e não “vimos todos os sinais”. “Era como um sapo numa panela a ferver”.

Migrações, Palestina e Islamofobia

Outro dos temas abordado pelos membros da Assembleia Geral foram as migrações. A vice-presidente da Comissão Europeia considera que é preciso “reavaliar” o problema, sublinhando que a Europa tem o “dever moral” de ajudar aqueles que são obrigados a sair dos seus países. Para Georgieva, não se pode cuidar destas pessoas apenas “temporariamente”, é necessário “trabalhar para que se integrem” na sociedade onde se encontram. “Como europeia, devo lembrar que a convenção internacional dos refugiados foi criada para nós. Nós éramos os refugiados”. 

A economista foi ainda questionada sobre o extremismo e a islamofobia “Como europeia, fico muito preocupada com o que vejo neste meu lado do mundo, com as xenofobias e islamofobias e todas as outras fobias a aparecerem”, afirmou a candidata, acrescentando que é importante perceber por que motivo as pessoas se radicalizam.

As perguntas da Assembleia Geral passaram ainda pelo conflito israelo-palestiniano. A búlgara começou por referir que houve oito secretários-gerais que procuraram encontrar soluções para “esta situação por resolver”. Realça, porém, que não foi por falta de esforço que não o conseguiram, mas sim devido à complexidade da situação. A economista prometeu que vai estar “concentrada” naquilo que poderá fazer para haver um “processo de paz”.

Abrir as portas à bondade

Estes cenários de guerra, no entanto, não são algo de estranho para a búlgara, que trabalhou como comissária europeia para a ajuda humanitária. Georgieva diz mesmo que foi o trabalho que mais gostou, porque fez de si “uma melhor pessoa”, mostrou-lhe que a bondade é “universal”. “O que temos de fazer é esperar que a bondade aconteça. O nosso problema é que a bondade é silenciosa, mas o ódio é barulhento. O meu trabalho seria amplificar esta voz da bondade”, concluiu.